sábado, 29 de novembro de 2014

SIM: ESTOU COM O MOVIMENTO HOMENS LIBERTEM-SE, E NÃO ABRO!

(Movimento internacional, criado pela brasileira Maíra Lana)

By Maíra Lana : BASES DA CAMPANHA HOMENS, LIBERTEM-SE!

Matéria para a revista Glocal – Painel de Geopolítica, Meio Ambiente, Cultura e Matemática Cotidiana do grupo Henfill (seria lançada em novembro, com destaque de capa, mas a publicação foi passada para fevereiro, parece). É o que há de mais sucinto e atual sobre a condução campanha, na minha opinião.
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Embora poucas pessoas se deem conta disso, é possível afirmar que os homens são “privilegiados” em inúmeras das estatísticas mais nefastas de quaisquer culturas: cometem mais suicídio; matam mais e morrem mais com a violência urbana; têm uma expectativa de vida menor; são feridos com mais frequência, adoecem e morrem mais por doenças graves; são mais dependentes do álcool e de outras drogas; são a grande maioria nas prisões, nos manicômios e entre os moradores de rua.
Ora, ser homem hoje é tão plural quanto em qualquer outra época e local, bem como ser mulher. Afinal, todos somos seres singulares, únicos. Contudo, muitos homens são levados a se encerrarem em estereótipos extremamente limitados e monolíticos: do machão bem sucedido, forte, provedor, racional. Seria isso “ser homem”? Estes modelos provêm do fato de o homem ter sido ensinado, pela cultura ao redor, a não chorar, a não se deixar atravessar pelos sentimentos e emoções, de ele ter tido seus jogos e brincadeiras vigiados e restritos a questões de ‘força/vencer/poder’ desde menino. Por meio do lema “vencer é preciso”, os homens acabam por negar a pluralidade de que é feita a vida – que inclui a própria morte, além de outras perdas, dores, tristezas, fragilidades, sensibilidades, emoções. Ora, há força, mas também fragilidade em qualquer um de nós; há prazeres e dores; alegrias e tristezas; há o racional e o emocional. Ao negar a presença destes opostos complementares na vida e impondo-se a necessidade imperiosa de ser sempre forte, ele costuma se tornar incompleto, e se fragilizar. Ele não aprende a dialogar consigo mesmo, se transformando em um totem que não se deixa envergar diante das forças da Natureza. Agindo assim, ele quebrará de uma só vez e de modo irresistível, tal como o carvalho presente no conto oriental – em contraposição ao bambu, que se verga sempre que necessário e resiste. Com toda a negação socialmente imposta aos homens, as interioridades que poderiam expressar justamente o que significa “ser homem” continuam nebulosas, ao menos para um contingente numericamente inimaginável de homens em todo o planeta.
Esta falta de foco reflexivo se manifesta diante de um mundo que exige dos homens um papel a executar, mas não os provê de uma escuta interna que possibilitaria um encontro consigo, estimulando valores que poderiam de fato importar na vida, como o exercício diário da autocrítica, a empatia, o respeito ao Outro, a cooperatividade, a negociação e a diplomacia, o amor à Natureza e à Cultura, a justiça, a piedade, a aceitação da morte...
Na busca por coisas transitórias, dinheiro, status, poder, um enorme vazio se impõe, resultando em solidão e depressão, violência, niilismo, fascismo, conflitos, guerras oficiais e oficiosas, rechaço de tudo o que é diferente e – sobretudo – de tudo o que soe frágil e seja dito ‘feminino’, como se feminino tivesse passado a significar algo ‘menor’ ou ‘pior’.
A urgência em se debater e buscar uma mudança efetiva de comportamento social se faz presente devido, em especial, ao ponto crítico que estamos atingindo enquanto Humanidade. Inúmeros especialistas encaram esse momento como um ponto de bifurcação em termos de evolução de nossa espécie, no qual ou nos transformamos e evoluímos, ou corremos um sério risco de extinção, posto que nosso modo atual de vida deixou de ser sustentável a nível macropolítico. Nos últimos sessenta anos consumimos mais recursos naturais finitos do planeta do que a humanidade havia consumido até então. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o nível anual de desperdício de alimentos é quase três vezes maior do que o de pessoas passando fome em todo o mundo, entre outros dados assombrosos e inaceitáveis.
Mulheres e membros do grupo LGBT não foram “vacinad@s” contra a volúpia por poder, por sucesso e por bens materiais, dirão muitos; e é verdade. A diferença é que o exercício de contato com as próprias interioridades não lhes é proibido ou, ainda, eles lutam por mantê-lo de modo consciente. Esse contato, o exercício de intralocução, funciona como uma espécie de ‘escudo protetor’ contra alguns efeitos do apego extremo a esses valores sem sentido. Só o contingente masculino, afastado culturalmente dessa proteção interior fica tão exposto às sequelas destes valores deturpados, e é tão dura e diretamente atingido.
Porque os homens não se questionam acerca da realidade desse poder ilusório, mesmo com estatísticas tão evidentes de autodestruição? Porque eles são a única categoria de Gênero que ainda não se organizou acerca de suas questões? Porque o homem estaria apto a ocupar a maior parte das funções de gerência em qualquer sociedade, uma vez que tem tanta dificuldade de tematizar sua subjetividade, de dialogar consigo mesmo e expor suas interioridades? Estas são algumas das perguntas feitas pela especialista no tema das Masculinidades, a psicóloga Christina Montenegro, que escreveu o livro “Homem Ainda não existe – Compartilhando reflexões para que ele exista”.
Essas restrições geram uma opressão pouco discutida, que permanece velada, embora aceita e naturalizada, mesmo após as inúmeras reflexões do último século em torno dos direitos humanos. Essa discussão ainda banaliza as questões de Gênero, ignorando particularmente a Masculinidade como categoria de Gênero a debater, tanto quanto o é a Mulher enquanto ator social e o grupo LGBT, que foram e continuam sendo valorizados.
Não seria hora de se questionar sobre quem são de fato esses homens, para além dos códigos de Gênero limitadores que os levam às violentas estatísticas que citamos?
Homens, Libertem-se!/Men, GetFree! é uma campanha artística e social que visa colocar essas questões em evidência e debate. Proposta em parceria entre o coletivo nacional mo[vi]mento e o histórico e polêmico grupo The Living Theatre, de Nova Iorque, vem crescendo consideravelmente com o auxílio de inúmeros voluntários e o apoio de outros grupos e coletivos, tais como Núcleo A-com/tece (Bahia), Saia de Saia (Distrito Federal), Transeuntes (Minas Gerais) La Badunça (Paraná), Laboratório Madalena e 1Verso (Rio de Janeiro), Cruor (Rio Grande do Norte), Transitório35 e Casa Laranja (São Paulo). Sua proposta é gerar uma reflexão acerca das muitas formas pelas quais o sexismo, o patriarcalismo e o patrimonialismo (erroneamente denominados “machismo”, já que não são um traço cultural e comportamental fomentado apenas pelos “machos”) prejudicam especialmente os próprios homens, independente do exercício de sua sexualidade.
Nossa hipótese é que a provocação ao questionamento acerca desse tema possa vir a auxiliar na diminuição da repressão, da opressão e da violência, incrementando a cooperatividade, a solidariedade e a tolerância entre quaisquer grupos ditos humanos. Acreditamos ser possível estimular os homens a refletirem sobre a opressão de um modo geral, ao se depararem consigo mesmos como oprimidos pela identidade patriarcal-patrimonial universalmente sustentada em que vivemos, e que prejudica a todos indiscriminadamente. Esperamos que essa reflexão se reverta em negação de algumas das formas rígidas das aparentes per-versões comportamentais de muitos indivíduos de qualquer Gênero, mas com foco nos homens, tornando o rótulo “Seja homem!” uma questão a debater. Estas são apenas algumas dentre as muitas razões que justificam uma abordagem séria e aprofundada do tema em quaisquer culturas com a maior urgência.

Sugestões de box e Hiperlinks:
1 –
A primeira edição do dicionário Aurélio, de 1974, traz a palavra machismo com o seguinte significado: “Machismo. S.m. Bras. Pop. Qualidade, ou ação ou modos de macho (3 e 4); macheza.” Já a segunda edição, pós popularização do feminismo, traz um novo sentido, colocando o anterior como versão popular alternativa ao conceito da suposta norma culta: “ma.chis.mo. S. m. (macho+ismo) 1 Atitude ou comportamento de quem não admite a igualdade de direitos para o homem e a mulher, sendo, pois, contrário ao feminismo. 2 Bras.Pop. Qualidade, ação ou modos de macho; macheza, machidão.” Assim, supõe-se que a palavra machismo, anteriormente tratada apenas como os “modos de macho” de qualquer espécie, tenha se tornado sinônimo de depreciação da mulher, estimulando o tratamento da opressão como algo exclusivamente proveniente dos homens e de cujas vítimas são exclusivamente as mulheres.
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2 -
O Livro “Homem Ainda não existe – Compartilhando reflexões para que ele exista” pode ser obtido por encomenda nas Livrarias Cultura – diretamente nas lojas, por telefone, ou pela internet no link: www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp



3 – Esta pode ser subdivida ou ter partes suprimidas:
A Campanha Homens, Libertem-se! conta com mais de 400 voluntários de diversas áreas; artistas, especialistas, personalidades e formadores de opinião, como Nelson Motta, Paulinho Moska, Elisa Lucinda, Marcos Breda, Laerte e Marcia Tiburi são colaboradores; produziu e continua a produzir textos – entre crônicas, ficção e mesmo declarações – vídeos de ficção e documentais, obras plásticas e intervenções urbanas diversas, entre outras formas performáticas, teatrais, dança e shows de música na maior parte dos doze estados parceiros e teve sua maior manifestação durante a FLIP, em Paraty. As próximas ações estão previstas para Macapá – durante o Simpósio sobre Gênero e Diversidade, no dia 16 de outubro – e Ouro Preto – durante o Fórum das Letras, no dia 02 de novembro. Caso se interesse em contribuir com a campanha, escreva para o e-mail: homenslibertemse@gmail.com
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NO BRASIL:
2 - A taxa de suicídios entre as mulheres é de 1,9 a cada 100.000. Já entre os homens é de 7,1.
3 - A expectativa de vida para mulheres é de 78,3 anos. Para os homens, 71.
4 - As doenças de maior gravidade, como os cânceres e o enfarte sempre atingem mais os homens do que as mulheres, culminando em mortes mais precoces entre os homens.
5 - A dependência do álcool é de três a cinco vezes maior para os homens em relação às mulheres.
6 - A população carcerária brasileira compõe-se de 93,4% de homens e 6,6% de mulheres.
7 - A população em Situação de Rua compõe-se de 82% homens e 18% de mulheres.
8 - As mortes por Violência Urbana atingem 84% de pessoas do sexo masculino e 14% do sexo feminino.
9 - E estas estatísticas infelizmente se repetem ao redor de todo o mundo.
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Suicídio no Brasil – Fonte - Ministério da Saúde e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria):
A taxa de suicídios mede o número de mortes a cada 100 mil habitantes.
A taxa brasileira entre as mulheres é de 1,9. Já entre os homens é de 7,1.
Expectativa de vida no Brasil – Fonte: IBGE
Mulheres: 78,3
Homens: 71,0
Mortes por Violência Urbana (2006)
SUS: 84% do sexo masculino
14% do sexo feminino
Ministério da Justiça: 2006 - As estimativas de dependência de álcool variam de 9% a 12% de toda a população adulta, sendo três a cinco vezes maiores em homens em comparação às mulheres.

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