terça-feira, 5 de maio de 2015

 A CADA GERAÇÃO, A TIRANIA DE UM DECÁLOGO                       
Cuidado com o que lhe couber (evitar).


Há tempos atras passamos pelo decálogo de Moisés, por exemplo; um dos mais famosos. Felizmente, mal ou bem, sobrevivemos.
O dele (e de sua geração, que tem muitos descendentes até hoje), deve ter caído no chão mesmo, antes de ser mostrado ao povo; ou como se explica que não esteja claramente lá o importante item “Não mentirás”???...


A esse (de tão grande sucesso), sucederam muitos outros; alguns explícitos em sua tirania, outros nem tanto, e os mais perigosos: os que ficam ocultos em sua qualidade de decálogos, mas explícitos como formas vazias de meras manipulações tirânicas.
Manipulações vazias de sentido, mas cheias de volúpia de poder, especialmente de poder de eliminação da Singularidade alheia, cheias de poder de pasteurização.
Vida de gado, vida feliz?... No Planeta dos Fascistas, talvez.


Manipulações ditas Econômicas, ditas Políticas, ditas Culturais: raramente ditas (assumidamente) ‘decálogos’; mais raramente ainda ditas (assumidamente) Tirânicas.


Em tempos de Rede Social, surge mais um, que inclui o de supostas “normas sobre que letras se deve ou não usar”, por exemplo.
Enquanto o fato de ‘marcar o nome’ ou enviar mensagens inbox passaram a significar o celular alheio “apitar”, eu entendi; não tenho internet no celular, e imagino que seja um inferno ter seu telefone apitando dia e noite (já que tanta gente parece passar 24 horas ‘plugada’ naquilo). Um ‘apito’ inconveniente é um fato que se tornou concreto e compreensível.
Há anos sou cuidadosa.


Já a proposta de convencionar (sabem os deuses os porquês!) que letras maiúsculas significam ‘gritos’, não tem sentido algum: nem léxico/gramatical/sintático/ueréver... Ao contrário, sequestra e rouba a possibilidade da metáfora, da Poética.
Lembro que o texto da Rede (Facebook com certeza) não fornece a alternativa do ‘negrito’, caso você deseje salientar alguma palavra, para dar a ela uma importância maior, para salientar seu significado neste ou naquele contexto!


Lamento que tanta gente não leia.
Caso lessem mais, verificariam que ‘nunca antes nesse país’ foi impedimento o uso de maiúsculas no sentido de ‘atenção’; aliás, nem no de ‘grito’: gente é fenômeno que – eventualmente – grita, SIM. E daí?...
Me perdoem, mas sou do tempo em que ler Lobato, Machado de Assis, Joyce, Colette (p ex) estava longe de ser ‘uma obrigação insuportável’.
Era um prazer que degustávamos e compartilhávamos uns com os outros, como quem compartilha pipocas ou uma caixa de bombons.


Muita gente fala de uma Tirania Jovem.
Diante desse tipo de cobrança construida por um decálogo recente (e sem sentido ou respaldo da realidade da escrita em muitos quesitos), pela primeira vez na vida pensei no assunto; até então transitei (pensando, sentindo, ouvindo/falando e agindo) entre gente de quaisquer idades sem o menor problema.


Para não dizer que ‘nunca houve problema algum’, o único com o qual eu havia me deparado, e que tinha conexão com esse meu trânsito frequente entre gente muito mais jovem que eu, havia sido o espanto de pessoas mais velhas com meu vocabulário informal, que sempre se deu o desfrute do exercício da empatia e da liberdade.
Mas entre estas pessoas a coisa esbarrava em eventual espanto, mas seguia, pois em seguida era verificado que meu discurso utilizava gírias e quetais semelhantes por mero hábito e muito Humor, que não se limitava àquilo (muito pelo contrário) : não havia ‘censura’, nem desqualificação do que eu pensava, dizia ou fazia.


Curiosamente vim a me deparar com censura e admoestações de um tempo para cá.
Estas reações (Abomináveis? Perigosas?) vieram...de jovens!...
O principal argumento é o de que “se quero me comunicar, devo usar os códigos ali impostos”.
Eu me sentiria inclinada a considerar muito conveniente e justo caso a questão tratasse de um idioma ou dialeto.
Idiomas e dialetos têm História. E História (e todas as suas ‘gavetinhas de surpresas’) é uma coisa que vale a pena aprender; carrega Ética e Estética conquistadas (e não ‘pré-fabricadas’).
Já um decálogo, você obedece...ou não, após avaliá-lo.

Também sou do tempo em que haver uma margem de desobediência para os decálogos impostos era um valor!
Assim como sou do tempo em que a gradação-distinção que transitava entre Dialogar/Debater/Discutir/Duelar tinha cores próprias, e não “ofendia” quem quer que fosse: seus respectivos lugares e valores eram tão aplaudidos quanto a gradação-distinção plural das cores do arco-íris...

Quer dizer que eu devo ‘obedecer-para-me-comunicar’?
Mas ninguém quer desobedecer para se comunicar com pessoas da minha geração?...
Curioso!...Perigoso!...Quem não tem espaço para a desobediência abafa/mofa a Cultura e mata a Imaginação, os Sonhos, a Poética, a Arte!


Frequentemente, por conta do meu próprio trabalho, digo que faço o “elogio dos heréticos e dos desobedientes’.
Vou precisar abrir mão da convergência do meu discurso com a minha prática em nome de me comunicar através de um Decálogo que não tem como me seduzir?...
E isso, como é que fica?...

Uma multidão de pessoas vai preferir ‘se comunicar’ com uma cínica, com uma mentirosa, com uma hipócrita que ‘finge’ acreditar e investir num decálogo?...
Discurso sem sentimento real a preenchê-lo é mera retórica (vazia de Sentido).
Prática sem sentimento real a preenchê-la é mero gesto mecânico (vazio de Sentido).
Os zumbis e os robôs ‘venceram’?...
Cultura doente, Arte moribunda?...Imaginação, Poética e Sonhos assassinados em nome de uma suposta “forma”?...


Isso significa que minha transparência, meu discurso coerente com minha prática, minha rude franqueza claramente comprometida com o Outro (o que não significa concordante ou obediente ao Outro), minha Singularidade (que até morro, para defender a alheia!), deixaram de ser um Valor - logo - vão ficar sem interlocutores?...OK!...


- SOCORRO!!! (SIM, ISSO FOI UM GRITO).
Abraços a todos.


IMAGEM, Chiquinha e os riscos de certas per-versões de novas tentativas de propostas.

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