quarta-feira, 2 de julho de 2008

CURIOSA LEGITIMIDADE


I- Introdução : Homem ainda não existe

II- Desenvolvimento : Curiosa Legitimidade

III- Relato de Experiências Práticas como Exemplo de Atividades Reflexivas e Afirmativas
sobre o Assunto

A- "Pelo Apeitamento Paterno!"... - A Campanha que Urge.

B- Sete de Março : O Dia do Homem.


(Dedicado a todos; especial carinho ao Prof. Larry Sommers, Harvard/USA)

I – INTRODUÇÃO: HOMEM AINDA NÃO EXISTE! :

“Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”.

(Monterroso, A. [Considerado o menor conto do mundo, autor guatemalteco, falecido em 2002]. O Globo, Caderno Prosa e Verso, coluna de Sant’Anna, A. R., 15/03/03, p.2.).

Homens são freqüentemente identificados pelo senso comum como “os donos do(s?) mundo(s?)”, e o patriarcalismo, aqui e acolá dito falido, como alguma coisa forte e na verdade inabalável, construída e exercida prioritariamente pelo contingente masculino, especialmente o dito heterossexual.

Supostamente, “o poder” pertence ao contingente masculino.

Porém, mundialmente, todos os dias, já há muitos anos, respeitáveis Institutos de Pesquisa publicam que homens são numericamente imbatíveis em morrer DE FATO (em guerras, por violência urbana, por enfartos, derrames, cânceres, acidentes automobilísticos, suicídios, e até por extrema inadequação à mera pós-viuvez), e/ou SIMBOLICAMENTE (contingente “campeão” em aprisionamentos, internamentos psiquiátricos, paraplegias ora pós-guerra ora pós incidentes da mesma violência urbana, ora pós-acidentes automobilísticos, entre outras situações que deveriam ser mais adequadas a mortos vivos de um filme de terror de má qualidade).

A não ser numa ótica perversa (per-vertida, ou vertida por / para vias inadequadas) a quem pode agradar e/ou tornar seguro um “poder” (?!) com tamanha capacidade letal e autofágica? Isso lá merece ser identificado pelo pomposo nome de “poder”?...

Afinal, o que querem os homens, para si mesmos, e – por que não – para seus descendentes, e – especialmente - seus descendentes de sexo masculino?

Mães podem se esmerar, beirar uma suposta perfeição, e ensinar tudo o que possam a seus filhos, à exaustão.

A única “lição” impossível para elas, na educação e formação de seus filhos homens, é a “aula”: “O que é ser um homem”. Esta “aula”, só outra(s) figura(s) masculina(s), e/ou o ambiente masculino ao redor, ministra aos meninos.

Quantos meninos têm a sorte de encontrar pais homens e professores homens eticamente acolhedores, reflexivos e críticos quanto sua própria Identidade Masculina? Infelizmente isso é espantosamente raro.

Mesmo um suposto exímio “cumprimento da função paterna por mães” não a substitui, ao contrário do que muitos terapeutas alardearam durante um período ainda recente.

Quanto mais esta “aula” é precária ou silenciada (nos universos íntimo e público), o que os meninos absorvem e desenvolvem é a mera caricatura do que “parece” masculino, APARENTA ser o masculino.

Nossos meninos absorvem o que tantos mestres, (ou às vezes pretensa mestra) precário ou silencioso exibe: alienação de experiências com a própria interioridade; alienação de contatos com camadas minimamente profundas da afetividade;alienação do que poderia ser considerado um núcleo das masculinidades possíveis.

Não serei a primeira a lembrar (sempre, sempre) o “ensurdecedor silêncio ambiente emocional masculino”, em especial entre pais homens e filhos homens, responsáveis homens e meninos homens, assinalada há anos por tantos autores, como inércia letal para a compreensão e desenvolvimento das masculinidades.

Como se não bastasse, podemos inferir o risco de desamparo de um homem (especialmente se heterossexual, já que costuma ser mantido especialmente alienado da experiência com a interioridade e com o afeto) sob o “alto teor de filicídio masculino ambiente”, através de uma breve reflexão (fantasiosa?) sobre acontecimentos diários, ao nosso redor.

Lembremos primeiramente que, para quem não sabe, desde os anos 60, a partir de um livro do psicanalista argentino Arnaldo Rascowiski, chamado “O FILICÍDIO”, este termo foi assumido como termo técnico, passando a significar um movimento, a princípio inconsciente (e quantas vezes exercido com plena consciência!), que abrangeria todos os pensamentos, sentimentos e atos de sujeitos individuais ou coletivos (de indivíduos, grupos familiares, ou sociedade como um todo), que viessem consequentemente a prejudicar de alguma maneira a sobrevivência física, intelectual ou emocional dos “descendentes da humanidade”, dos descendentes de quem quer que fosse, colocando em pé de igualdade:

- responsáveis negligentes na intimidade (um pai abusador ou negligente, uma mãe invasora, ou ambos; outros adultos com ou sem laços sanguíneos, mas com perfis semelhantes aos destes pais);

- famílias desajustadas o suficiente para lesar a qualidade da construção da singularidade de alguma criança, púbere ou adolescente;

- colégios mal conduzidos (por rigores mórbidos, por exemplo);

- religiões ou religiosos mais preocupadas com a punição e a morte que com a piedade e com a Vida;

- ou mesmo políticos clara ou dissimuladamente bélicos ou genocidas no mundo público, já que o “efeito devastador” sobre nossas crianças (e especialmente – insisto – sobre nossos meninos) é sempre o mesmo.

Agora fantasiemos, baseados em dados reais.

Digamos que uma mulher submetida a várias formas de submissão e/ou violência, típicas de diversos ambientes patriarcalmente patrimoniais, fundamentalistas e/ou misóginos, como acontece muitas vezes, sobrevive a possíveis traumas.

A possibilidade de existir por perto dela uma Organização direcionada especificamente a mulheres, pronta a lhe dar acolhimento (incentivador para salutares rupturas, protetor quanto à jurisprudência, reconstrutor de corpo e alma quando necessário, e apoiador em projetos concretos e esperanças plausíveis) é imensa, mesmo em pontos geográficos precaríssimos.

No mínimo desde as sufragistas, mulheres foram aprendendo a utilizar o seu talento empático para assim se organizar, refletindo sobre suas idiossincráticas questões, a ponto de (mesmo que clandestinamente, como a RAWA, no Afganistão) ter mundialmente esta rede a sua disposição, tornando esta “ressurreição” uma potência realista, conquistada por seu coletivo, destinada a seu planetário coletivo.

Conseqüência: existem agora não só mulheres, mas também A MULHER: A MULHER QUESTÃO SOCIOLÓGICA, o ATOR SOCIAL MULHER.

Isto foi possível graças à iniciativa autônoma / autoral de mulheres, na sua maioria anônimas apesar das eventuais e necessárias lideranças que vão saindo inevitavelmente desse anonimato por repercussão legítima de conquistas, ao longo da história, ao longo de sua história, história de feminidades.

Em tempo: o mesmo já se pode dizer de gays, lésbicas, transexuais, bissexuais e até de seus simpatizantes: GLSTB, já, também, um ATOR SOCIAL; reconhecidamente organizados.

Daí o gay não ser tão desamparado quanto o heterossexual neste ponto, pois - mesmo que sua família tenha colaborado com o Mundo para que ele se mantivesse alienado de sua interioridade e seu afeto - seu coletivo, sua organização, agora o reaproximam de uma boa parte de sua experiência subjetiva. Isso já o apóia; o ajuda a se “desalienar”.

Por outro lado, fantasiemos outra possibilidade real.

O que aconteceria com um homem diante de episódios problemáticos, traumáticos, e suas masculinidades (neste caso, não só o heterossexual, mas também o homoerótico)?

Afinal, homens também estão sujeitos a estupros, por exemplo.

Fora algumas tentativas de simulacros autofágicos de organização, rapidamente absorvidas como piada pelo esfomeado senso comum (o suposto “movimento masculinista”, ou os supostos “metrossexuais”), há já pequenos focos legítimos e interessantíssimos de profissionais (homens e mulheres!) que buscam, com o apoio promissor do desejo de muitos anônimos, um universo mais profundo de reflexão para autonomia – e/ou renovada autoria - da idiossincrasia masculina, independente da orientação de seu desejo.

Idiossincrasia masculina:

O que seria “ser um homem”, já que raramente eles o dizem uns para os outros no dia a dia?

Esse nosso homem imaginário (especialmente se fosse heterossexual), diante de episódios de violência e/ou imposição de submissão, pode – no máximo - contar com o apoio Governamental ou do Terceiro Setor quanto às questões referentes à violência em si; mas, a maioria não contará com um apoio claro às questões de suas idiossincráticas masculinidades, a não ser que tenha a sorte extraordinária de “cair” nas mãos destes ainda raríssimos (pouco difundidos e muitas vezes não compreendidos em sua real importância) focos legítimos de incipiente reflexão assertiva sobre O QUE É SER UM HOMEM, sobre QUAIS SÃO AS QUESTÕES DO COLETIVO HOMEM (especialmente o heterossexual).

Isso, possivelmente, construirá, um dia, o HOMEM ATOR SOCIAL, que AGORA, INEXISTE.

Infelizmente o DINOSSÁURICO SILÊNCIO da subjetividade MASCULINA sobre as MASCULINIDADES ainda está lá.

Este é o pé, o calcanhar, a panturrilha, o joelho, a coxa, a virilha, o sexo, a barriga, a cintura, o peitoral, as costas, a coluna, os ombros, os braços, as mãos, o pescoço, a cabeça, e – especialmente – o coração de nossos frágeis Aquiles.

Seus corpos mortos (inclusive em vida!) pouco compartilham com as mulheres e crianças que sobram dessa silente per-versão.

NADA contra o pênis, mas... um PODER REAL (logo, arejado para possíveis renovações, e COMPARTILHÁVEL) virá de menos FALO e mais FALA?...

A piada é antiga, mas o silêncio continua contemporâneo.

Frequentemente ouço dizer que “esperar mudar certos valores ancestrais é loucura.

A sociedade/cultura de massa repete sempre que pode que “manter padrões” é quase garantia de sanidade.

Sanidades que atacam ou destroem a Vida e sua qualidade não quero, muito obrigada...

Loucura “da boa” é aquela capaz de SUB-VERTER, criar, no Espaço (com ciência, com Arte), e no Tempo (gestando Vida plausível e minimamente divertida até para descendentes que ainda não nasceram).

...“Hipótese – tesehipo - setepohi – pohitese...” (Lobato, M: Viagem ao céu. São Paulo: Editora Brasiliense [fala da personagem Emília]: 1957, p. 94).


II - DESENVOLVIMENTO : CURIOSA LEGITIMIDADE!

Homens (a não ser quando impedidos por outras pessoas, que na maioria eram ou são outros homens) sempre pensaram, falaram, investigaram, avaliaram, escreveram, e /ou decidiram quaisquer coisas que quiseram, onde quiseram, quando quiseram, o quanto quiseram, como quiseram. Curiosamente, o que mais custam(ram) a ter como objeto de estudo, de observação, reflexão - oficiosa e / ou oficialmente – foi exatamente a si mesmos: o que é, como costuma funcionar, o que significa nascer com o corpo de um homem, e / ou o conseqüente fenômeno ainda mais complexo, que chamamos de “masculino / masculinidades”, embora seu papel de AUTOR pareça(cesse) automaticamente LEGITIMADO para tudo.

Os livros sobre o assunto “homem / masculino / masculinidades” só começaram a ser publicados há pouco mais de trinta anos atrás!

Nem todos assinados por homens.

Com o tempo, o número de autoras mulheres só fez aumentar.

Mais ou menos há dez anos atrás, o Mercado Editorial parece ter percebido que os consumidores respondiam bastante bem ao assunto.

Coincidentemente (ou não), os autores homens proliferaram também, o que talvez seja muito salutar, mesmo que deflagrado a partir de sintomática motivação mercadológica: QUESTÕES não deveriam ser demonizadas, o que deve incluir as político-econômicas que tanto pesam no diálogo / debate entre gêneros.

No Brasil, por exemplo, Bernardo Jablonski, Luis Cushnir, Sócrates Nolasco, Walter Boechat, entre outros, se tornaram qualificada referência bem vinda ao redor do tema.

Lembremos que, há pouco mais de cem anos, mulheres não estavam autorizadas – por exemplo - a se tornar médicas ou a votar.

A humanidade AINDA tolera (contemporaneamente!) grupos sociais que impedem (entre tantas interdições cotidianas espantosamente distantes de qualquer coisa que possa ser chamada “qualidade de vida”) que mulheres sejam alfabetizadas, tomem decisões sobre seus destinos, ou sequer sobre seus corpos, e – assombro dos assombros – votem.

Somos obrigados a reconhecer que mulheres tiveram (pelo menos a partir do desenvolvimento dos processos psicossociais que caracterizaram a história da instalação do patriarcalismo/patrimonialismo) muitas dificuldades quanto se sentirem (ou serem de fato) autorizadas a tornar público o seu pensar, o seu falar, o seu investigar, o seu avaliar, o seu escrever, o seu decidir; o seu onde, o seu quando, o seu o quanto, o seu como.

Um bom número delas teve isso facilitado, a partir do momento em que algumas ousaram deflagrar o rompimento do vínculo com uma espécie de jogo do “- Mamãe posso ir? Quantos passos?”, (que, no caso, era na verdade “- Papai posso ir? Quantos passos?”), e começaram a escrever oficialmente sobre si mesmas: o que é, como costuma funcionar, o que significa nascer com o corpo de uma mulher, e / ou o fenômeno ainda mais complexo, que chamamos de “feminino / “feminidades” / feminilidades”, na construção de EQUIVALENTE LEGITIMIDADE para o EXERCÍCIO do papel de AUTORA nos roteiros de suas vidas, o que passou, com isso, a incluir suas “vidas literárias”.

Estes livros com ar “oficial” surgiram paralelamente aos que se dedicavam à psicologia, à psicanálise, e à sexualidade, e, de certa maneira, “documentaram” o que chamamos genérica (e às vezes equivocadamente) de “feminismo”, fenômeno que salutarmente não teve “ponto final”, continuando em evolução (ou “evoluindo na Avenida da Vida”), provocando a democrática popularidade da literatura sobre o tema “gênero”, seja lá qual for a melhor nomenclatura para designá-lo neste pós-moderno momento.

Na verdade, nem todos os livros, publicados neste fértil (“novo”) período, tendo “a questão mulher” como assunto central foram assinados por mulheres.

E daí?...

Com o tempo, o número de autoras mulheres se multiplicou, e continua a se multiplicar, porque quanto mais se rompe com “jogos” viciados, mais se experimenta coisas novas, e mais se tem o quê documentar; aí, quanto mais se escreve, mais se fala e mais se age; aí, quanto mais se age e se fala, mais se escreve, etc. etc. etc...

Daí isso ter agilizado o processo no qual os assuntos referentes não mais só a mulheres, mas a gênero, às relações entre suas diferentes expressões, e a conseqüente transformação que vários conceitos (como o de família, por exemplo) vieram a conquistar, passando a parecer e a ser acolhidos como assuntos fascinantes e inesgotáveis (que são), prontos a ter seus vícios rompidos, e suas experiências especialmente renovadas e re-qualificadas social, política e culturalmente.

As relações entre os conceitos de “micro” e macro” se tornaram fundamentais para a investigação do próprio Cosmos, do Universo; redescobrimos todos os dias, e cada vez mais rápido, que não passamos de formiguinhas intervenientes e impertinentes.

Paralelamente a noção de “micro” referente às noções de família e / ou de intimidade tomaram as mesmas proporções de importância diante do “macro” referente à “gestalt” da tessitura do Universo composto pelas questões bio-psico-éticas-estéticas-culturais-políticas-econômicas-sociais.

Sou uma das mulheres que – perplexa - diante do freqüentemente eloqüente silêncio masculino, referente a muitos fenômenos e assuntos, mas ESPECIALMENTE ESPANTOSO NO QUE DIZ RESPEITO ÀS PRÓPRIAS QUESTÕES (Homem / masculino / masculinidades), decidiu se dedicar – sem brincar de “-Mamãe ou Papai posso ir? Quantos passos?” - a esse tema: Identidade Masculina.

Diante da RECORRENTE CURIOSIDADE manifestada por muitas pessoas (inclusive de profissionais, homens e mulheres, de nível superior, familiarizados com as Ciências Humanas, e mesmo incensados profissionalmente em suas funções), passei a observar se esta curiosidade poderia DISSIMULAR UMA TENTATIVA DE QUESTIONAR A “AUTORIZAÇÃO-OU-NÃO” que paira no ar do caldo cultural do senso comum sobre eu (e outras) me (se) dedicar(em), como escolhi (escolheram), a este tema, em minhas (nossas) investigações profissionais.

Tomando a REFLEXÃO como valor precioso, procuro – agora – por mais “antiquada” que possa parecer à primeira vista esta questão, literalmente DESVELAR ao menos alguns pontos que giram ao redor da “CURIOSA CURIOSIDADE” à qual me vi exposta, de alguns anos para cá, e compartilhá-lo.

Quem sabe isso me leve (pelo menos!) a alguns novos interlocutores que possam ter se sentido até agora constrangidos a fazer estas mesmas perguntas ?

Profissionais mulheres podem e / ou devem pensar, falar, investigar, avaliar, escrever e / ou decidir coisas que digam respeito ao território masculino e / ou dos homens, e / ou sobre “O que é ser e / ou se tornar um homem”?

Em que ponto da recorrente “curiosidade” podemos inconscientemente passar ao terreno de um questionamento velado sobre uma possível “CURIOSA LEGITIMIDADE”, que parece estar em jogo, podendo ser “concedida” ou mesmo “negada”, no viciado / viciante JOGO que teima em pairar no ar do – repito - caldo cultural do senso comum:

“-Mamãe / Papai posso ir? Quantos passos”?...

Para alguns parecerá piada, para outros uma minúcia irrisória indigna de especulação teórica, mas as mulheres que – como eu – decidam se dedicar ao estudo da identidade de gênero, e – especialmente - da identidade masculina, para fazê–lo com propriedade, precisarão se dedicar mesmo às minúcias, e (porque não?) aos aspectos humanos bem (e mal?) humorados, escondidos (ou não?) “embaixo dos tapetes”!

Que “tapetes”?

Aqui, “personas” profissionais cujo discurso (acadêmico ou não) não corresponde ao comportamento diário; ali, a ignorância, muitas vezes compulsória, alimentada e oportunisticamente aplaudida; acolá, a preguiça referente a revitalizantes rompimentos do texto e do subtexto envolvidos por este tipo de empreitada; e por aí vai.

De relacionamentos e pactos fraudulentos o mundo está cheio...ou não?

Principalmente enquanto o número de pesquisadoras mulheres (umas oficiosas e outras oficiais, umas regulares, outras episódicas) do assunto “gênero” – inclusive (inevitavelmente!) no “capítulo” que diz respeito às masculinidades - se mantiver curiosamente maior que o de pesquisadores homens: Adrienne Rich, Anais Nin, Anne Koedt, Azizah Al-Hibri, Betty Friedan, Camille Paglia, Carmem da Silva, Carol Gilligan, Celina Albornoz, Collett Dowling, Elise Boulding, Elizabeth Badinter, Elizabeth Roudinesco, Emilse Dio Bleichmar, Fatna A. Sabbah, Germaine Greer, Ginette Paris, Gloria Steinem, Helena Theodoro, Helena Hirata, Helen Fisher, Irene Meler, Irene Fridman, Ivone Gebara, Jean Shinoda Bolen, Juliet Mitchell, Louise Lamphere, Margaret Mead, Maria Esther Harding Maria Helena Kuhner, Maria Rita Kehl, Marie-Louise Von Franz, Marlise Matos, Mashid Amir Shahi, Michelle Zimbalist Rosaldo, Miriam Goldenberg, Nancy Chodorow, Nancy Qualls-Corbett, Olympe de Gouges, Rosalind Miles, Rose Marie Muraro, Rosiska Darcy de Oliveira, Sheila Lewenhak, Silvia Brinton Perera, Simone de Beauvoir, Simone Weil, etc. (verificar possível inesgotabilidade de uma virtual lista contemporânea)...

Qualidade demanda atenção a minúcias...

...se é que a reflexão seguinte pode ser considerada minúcia...

Como se delineiam as fronteiras do senso crítico (e – por que não - da justiça) quando um ser – que, de fato, não tem como experimentar o que é nascer e / ou se tornar um homem - decide investigar técnica e teoricamente para debater (ou mesmo tomar decisões sobre) o que é (ou não) “fenômeno masculino, fenômeno de masculinidades”?...

Uma mulher pode – no máximo – experimentar alguns aspectos ditos “masculinos” em sua constituição subjetiva; isto não faz dela um homem; não permite a ela experimentar o que venha a ser SER UM HOMEM.

Uma mulher pode – inclusive – experimentar a homo, a bi, e / ou a transsexualidade; ainda isso não faz dela um SER-NASCIDO-HOMEM.

Ainda isso não permite a ela experimentar NÃO SÓ o que venha a ser ter nascido com um CORPO de homem, mas também TER SIDO IDENTIFICADO como um homem pelo OLHAR daqueles que receberam aquele bebê de corpo masculino.

Não é o suficiente para que ela experimente as conseqüências do DIÁLOGO ESTABELECIDO ENTRE um BEBÊ de corpo masculino e o OLHAR FAMILIAR, na construção da subjetividade, que - por sua vez - pode até mesmo surpreender e desobedecer ao primeiro e precipitado olhar dos mui dignos receptores do recén-nato: as masculinidades e feminilidades são teia fruto da trança de MUITOS e criativos fios.

Se esta criatividade desagrada e/ ou assusta alguns, é questão tão interessante quanto, que poderá ser desenvolvida num próximo texto, além dos já escritos – por exemplo, e com brilhantismo – pela psicanalista e socióloga Marlise Matos, hoje na UFMG-Brasil.

Uma autora mulher será sempre uma autora nascida com corpo de mulher.

Repito sempre que acredito (talvez para desgosto de outra mulher e pesquisadora, Elizabeth Badinter) que androginias têm limite.

Mas...

Autores brancos pesquisam negros, e vice versa.

Autores ocidentais pesquisam orientais, e vice versa.

Autores comprometidos com a “Situação” pesquisam questões de “Oposição”, e vice versa.

E assim por diante, se fizermos a lista de todas as “diferenças” supostamente antitéticas, mas sempre complementares, sempre que lembrarmos sua coexistência (pacífica ou não) no mundo.

Talvez as questões que procuro levantar aqui possam ser postas aos serviços também de outros “DUETOS DE DIFERENTES”; prefiro compactuar com DUETOS que com DUELOS, e talvez não existam “técnicas de distanciamento crítico” que consigam encobri-lo...

Mas, o FOCO na questão gênero que será – para mim – mais familiar, imprimindo ao texto ares de autenticidade possível, talvez venha a ser – para muitos –, um dia, no mínimo uma hipótese com ares de saudável “contágio de questões”.

Longe de mim acreditar que mulheres tenham pior desempenho em pesquisar Homens / Masculino, que homens tenham demonstrado ao pesquisar Mulheres/Feminino; longe de mim supor o vice versa.

Longe de mim a intenção de pregar que mulheres, de fato, tenham direito restrito frente esta empreitada; longe de mim pretender restringir homens de pesquisar o que quiserem.

Por enquanto parto do princípio que pesquisadores precisam de senso crítico e consciência do humano destino trágico – que, entre muitas coisas que aqui não vêm ao caso – pode banhar qualquer um, pesquisador ou não, ensinando-o a nadar no complexo universo dos conceitos antitéticos de quaisquer assuntos, o que só tenderia a melhorar a qualidade de seu olhar sobre si mesmo e sobre o OUTRO.

Igualmente longe de mim a intenção de supor que, para a construção de um homem, e para a compreensão dela, nascer com o corpo de um, baste.

...”La constitución paradójica misma de la sexualidad masculina, entendida en estas dimensiones que articulan sexo y género, viene a poner de relieve lo que diversos estudios antropológicos han señalado en torno a que la virilidad –no reductible a la simple masculinidad anatómica- es una conquista que se adquiere, que no está dada naturalmente, y que una vez conseguida exige de un sostenimiento permanente, dado que el sujeto puede ser más o menos fácilmente destituido de la misma. En este sentido, mientras que la feminidad es una aportación biológica que la cultura refina o incrementa, la masculinidad atraviesa un umbral crítico que torna, en muchas culturas, la forma de pruebas no sólo de comprobación sino fundamentalmente de adquisición de la virilidad. Dichos rituales de masculinización recomponen ciertas modalidades de los fantasmas masculinos que recogen el ideal de "desfeminización" y "despasivización" con los que históricamente han quedado abrochados los enunciados identitarios propuestos a los varones en la sociedad patriarcal y falocéntrica”...(Blestcher, Facundo; “Los modos de la constituición sexual masculina: avatares y destinos de uma identidad en tránsito”, em http://www.psicomundo.com/foros/genero/index).

Mais uma reflexão não me parece exatamente minúcia.

“Mães invasoras” seriam mães com dificuldades quanto às noções do conceito de privacidade, o que envolve sua relação com sua própria privacidade, a sua colaboração na construção da noção de privacidade de seu filho, e o que acontece conscientemente ou não quanto o conceito de privacidade na experiência da própria relação: mãe / filho.

Diz também a psicanálise que, mães vivenciadas pelos filhos como “invasoras” (sendo-o ou não), especialmente quando acompanhadas da presença de pais vivenciados como hostis, ou mesmo violentos, (infelizmente um “dueto maléfico” muito freqüente), tendem a gerar filhos fóbicos e / ou ESPECIALMENTE ENCAPSULADOS.

Este encapsulamento seria caracterizado, por exemplo, não só por um distanciamento fantasioso do real perfil dos próprios aspectos pulsionais e identitários constitutivos de um SUJEITO (“quem sou EU, ´de verdade´?”), mas também por uma especial dificuldade deste mesmo sujeito quanto à ALTERIDADE (“quem é o OUTRO, ´de verdade´?”), e, conseqüentemente, quanto à construção de vínculos afetivos substanciosos com o OUTRO, vizinho ou genérico, incrementando a alienação do sujeito quanto às necessidades apontadas pelo COLETIVO (“o que é que NÓS podemos fazer por ´esse mundo´, ao nosso redor, já que nós e ele existimos?”)...

Muitos livros que trabalham o assunto gênero apontam (apoiados por sucessivas pesquisas), entre o contingente masculino, uma significativa tendência para este encapsulamento.

Cabe aqui lembrar, mesmo que resumidamente, que as ciências humanas pós-psicanálise, costumam confirmar também, com significativa freqüência, que o encapsulamento (tendo sido apontado o universo masculino como um terreno freqüentemente fértil para ele) é - especialmente quando se manifesta na relação com o coletivo - uma das mais vigorosas expressões tanáticas do patriarcalismo/patrimonialismo que – mesmo em crise – é ainda resistente em seu caráter excludente, filicida e corrupto, corroendo patologicamente a tessitura psicosocial, atacando a qualidade do dia a dia de homens, mulheres, e crianças de todo o mundo, independente da orientação de suas sexualidades, suas etnias, suas escolhas religiosas, políticas, etc.

O que NÃO sensibiliza o ENCAPSULADO é o OUTRO; especialmente quando o OUTRO está contido no anonimato do COLETIVO.

“...Por un lado la sumisión que enceguecida responde a un mandato que se pretende natural: el sacrificio de una parte importante de la población, pero especialmente de los niños pobres, sin defensas de ningún tipo ante el avance del poder de los adultos (de los financistas que especulan con su existencia y el de algunos padres que repiten el maltrato a que ellos mismos fueron sometidos). Y por otro lado, se encuentra la lógica que dice que debemos amar la vida más que la obediencia; simplemente eso. Y no esperar como Isaac la muerte sin mirar, sin hablar, sin conocer, para después casi dejar de respirar. Debemos reconocer, por otro lado, la desigualdad de los adultos a las causas que promueven la violencia. Así por ejemplo, en tanto el estatuto social de la mujer se encuentre por debajo del estatuto del hombre, su frustración aumenta y se compensa con la sobrevaloración psicológica del hijo varón. Ello implica que hay una serie de mecanismos que promueven la sumisión de ese hijo, y ello lo ubica en una posición servil respecto de los poderes políticos, que lo manipulan psicoafectivamente, dejándolo sin trabajo, inerme, violentándolo con sueños que la publicidad dice realizables. Pero también esa ubicación del varón se compensa con la agresividad que éste descarga sobre los otros que cree más débiles, su mujer, sus hijos, los más pobres, los extranjeros. Se recorre así un circuito que va de compensación agresiva en compensación agresiva”...(Belgich, Horacio; “Subjetividad masculina: entre el Terror y el Temblor”, em http://www.psicomundo.com/foros/genero/index).

Logo, uma pergunta complementar se torna inevitável: a pesquisadora / teórica mulher, que decide investigar, debater (e / ou trabalhar tecnicamente) com o tema do masculino (e / ou das masculinidades), pode ser inoportunamente vivenciada – por exemplo - como MAIS uma reprodução de “mãe invasora” por seus entrevistados, por seus ouvintes / leitores, ou mesmo por suas equipes de trabalho?

NÃO que ela o fosse (ÓBVIO!), mas – ao romper o jogo do “-Mamãe / Papai posso ir? Quantos passos?”- ela poderia ficar exposta a ser (inconscientemente ou não) interpretada como tal; precisaria – preventivamente - contar com isso.

Como preveni-lo?

Como avaliar o grau de interveniência (e óbvia contra-produção) que a plausibilidade desta hipótese – por exemplo - poderia provocar no processo do trabalho, e / ou nos resultados de uma pesquisa?

Como lidar com este risco, ao longo de todo o processo de trabalho?

Como validar um trabalho assim direcionado com mais e melhor transparência?

Como criar um ambiente de legitimidade confiável (sem dúvida tecnicamente necessário) ao longo de todos os passos do processo, sem excluir mulheres do direito de fazê-lo?

Não negar sua plausibilidade parece ser o primeiro passo.

As duas citações acima são propositalmente de pesquisadores homens (o primeiro, um psicanalista da Sociedade Psicanalítica do Paraná, Brasil, e o segundo um psicólogo que trabalha com educação, na Universidade de Rosário, Argentina).

Não custa lembrar como pode ser profícuo homens pensarem, pesquisarem, escreverem, sobre o que é “Ser um Homem”; por quê? É só lembrar o quanto isso é recente (a iniciativa tem pouco mais de trinta anos!), tão recente quanto as CURIOSAS estatísticas mundiais, que apontam para a fragilidade do contingente masculino frente sua qualidade de vida (saúde e mortalidade por doença, vitimização e mortalidade por acidentes, mortalidade por ações bélicas, altos índices de internações psiquiátricas e de aprisionamentos criminais, baixa sobrevivência pós-viuvez, etc., como citado no início), o que é diária (e democraticamente!) veiculado pela mídia.

III -

A - “-PELO APEITAMENTO PATERNO !”... - A CAMPANHA QUE

URGE.

O aleitamento materno tem - feliz, legítima, e merecidamente - sido (re)valorizado nos últimos anos.

Mas nossas crianças pós - modernas, que continuam sendo fruto de uma mãe e de um pai, não querem só comida: querem sabores, odores, toques, intuições, inspirações, insights, conexões; e querem tudo isso múltiplo, multifacetado, porque já nascem absorvendo - cada vez mais rapidamente - a idéia de que a oferta plural de informações deveria oferecer uma melhor qualidade de cardápios de escolhas vitais; de escolhas compartilháveis, fraternas, solidárias, e democráticas para a construção de alguma coisa que mereça o nome de “ futuro”, que possam e consigam, aliás, chamar de “seu”.

Homens não têm leite, mas têm peito.

Peito ora heróico, ora covarde, ora pau-prá-toda-obra, ora omisso, ora vanguardista, ora conservador, ora quente e fofo, ora duro e fugidio, ora justo, hora abusador, ora forte, ora frágil, ora exultante, ora desiludido, ora heterossexual, ora homossexual, ora bi, ora trans, ora pan, (e daí?), ora sábio, ora não, ora circunstancialmente vazio.

Humano, sempre.

E o principal : com “cara” própria; a tal da IDENTIDADE...

O acolhimento do leite materno poderá estar “colorido” por um leque infinito de sabores, que varie do mais amargo ao mais sufocantemente adocicado; mas um ponto tangencial a todos estes sabores estará sempre presente lá: algo que mereça o (circunstancial) nome de “perfil FEMININO”; afinal, androginias têm limite.

O acolhimento do peito paterno poderá transitar por igualmente infinito (mesmo que de outro tipo) leque de odores; mas um certo ponto de odor estará sempre presente lá: algo que mereça o (circunstancial) nome de “perfil MASCULINO”; afinal, androginias têm limite, idem-idem...

A experiência como psicóloga numa Escola carioca, com segmentos distintos para Educação Convencional e Educação Especial, me confirmou a importância do significado de tudo isso, entre os presentes (e futuros) homens, e as presentes (e futuras) mulheres.

Após seis meses de trabalho nos dois segmentos da Escola, passei a exigir que os pais (homens) também comparecessem às entrevistas de família.

Venci alguns momentos iniciais de previsível resistência, onde (por exemplo) alguns pais alegavam que “...não podiam freqüentar as atividades da Escola devido o horário de suas atividades profissionais”...

Me obrigaram a lembrar o óbvio, isto é, que as mães, hoje em dia, também têm atividade profissional, muitas são solteiras ou separadas, e nem por isso deixam de comparecer às escolas de seus filhos quando necessário.

Mas “venci”, evitando culpabilizá-los ou “demonizá-los”, preferindo acolhê-los fraternalmente.

Outras histórias emergiram, e passaram a somar, multiplicar, se repetir, confirmando umas as outras, estimulando o compartilhamento das informações, a comunicação sobre novos temas; começou a se (re)desenhar (para aqueles pais e para mim) um conjunto vivo dos conceitos que giram em torno do que chamamos de paternagem.

A história - de todas a mais - recorrente se caracterizava pelas afirmações: “...Não sei muito bem o que fazer para me relacionar com meus filhos; não sei muito bem o que fazer com esse tal papel de Pai, porque a relação do meu próprio pai comigo simplesmente não aconteceu, não existiu, não se concretizou; é quase como se eu fosse órfão de pai, órfão de pai vivo; não me lembro muito bem do que o meu pai falava comigo, o que ele fazia para me educar, o que ele fazia na minha vida, que papel ele tinha e teve”...

Em segundo lugar, vinham as dificuldades referentes a diferentes tipos e graduações de constrangimentos, decorrentes de prováveis inabilidades das mães destas mesmas crianças, com alguma dificuldade em compartilhar o "ensaio e erro" de educar e guardar estes filhos com seus parceiros, estes (novos?) pais homens; esses ainda jovens pais que não querem repetir o que experimentaram (ou deixaram de experimentar) com seus próprios pais homens.

Percebi que minha preocupação em dar espaço e escuta (ao invés de somar queixas, acusações, culpabilidade e demonizações) a estes seres nascidos com sexo masculino provocava uma resposta ainda mais eloqüente do que a que eu (confesso!) esperava.

Na Escola voltada para a Educação Especial esta resposta parecia mesmo “gritar”, já que freqüentemente estes pais homens, despreparados como os demais para a paternidade, mas “em dobro” para a paternidade de filhos especiais, eram culpabilizados pelo esfacelamento familiar, na medida em que - de fato - abandonavam (em pânico evidente) seus lares, pouco tempo após o nascimento de seus bebês especiais.

Este imenso contingente de homens, já carentes de relação satisfatória (e sinalizante de identidade) com seus próprios pais homens, foi inclusive, praticamente, proibido de “brincar de boneca” - isto é - de “brincar de pai”, por exemplo, na infância, além de todas as funestas consequências das histórias de "homens-não-choram", já tão (felizmente) cantadas em prosa e verso, o que já permite o deflagramento de seu “exorcismo”.

Com freqüência assustadora, suas companheiras continuam reafirmando a suposta “incompetência” deles nas atividades cuidadoras, (re)desqualificando as (novas?) tentativas de iniciativas masculinas.

Em muitos lares “modernos” e “bem informados”, as mães são as primeiras a continuar se encarregando de desestimular seus filhos homens ao exercício de atividades colaborativas (guardar a própria roupa, arrumar a própria cama, ou lavar a louça, por exemplo) ou cuidadoras (cuidar de um irmão menor, por exemplo); “isso é para as filhas mulheres”, supostamente...

E “brincar de pai” (com bonecas, por exemplo), continua (espantosamente) no estágio “tabu” para os nossos meninos.

Após seis anos e alguns meses deixei a escola; espero que este Projeto, especialmente direcionado para estas questões, independa de minha presença e continue a amadurecer. Espero poder levá-lo para novos “campos de germinação”.

Trabalhar com as crianças passou a significar trabalhar questões convergentes: com os pais, mas também com as mães, pois estas parecem ainda habituadas com papéis viciante e improdutivamente vitimizados e acusadores.

Improdutivamente reprodutores dos retrógrados olhares preconceituosos que sofreram, elas próprias, tanto tempo.

Repeti-lo? “Imitá-lo”?

Para quê, mulheres?!...

Decidi criar a CAMPANHA PELO APEITAMENTO PATERNO, buscando colaborar no deflagramento da possibilidade de (re)construção de pais afirmativos, criativos; pais homens mais conscientes de si, dos exercícios de SER e de SER PAI , e casais mais conscientes de que podem arriscar experimentar novas conjugalidades, questionando também as mães sobre sua parcela na história.

Claro que a possibilidade da iniciativa de campanhas como essa, desenvolvidas por figuras masculinas sempre me deixa ainda mais feliz.

Felicidade que já nasceu, pois ricas iniciativas semelhantes têm aparecido, inclusive em solo brasileiro, como o movimento pelos Direitos à Paternidade do Pediatra Dr. Marcus Renato de Carvalho no Rio de Janeiro, e outros trabalhos preocupados com as questões referentes à Identidade Masculina, como os do Psiquiatra Dr. Luis Cuschnir em São Paulo, e os das ONGs Noos e Promundo também no Rio de Janeiro, como a PAPAI, em Pernambuco, e a PAI LEGAL BSB e SP, entre outras, que têm buscado intensa e permanente conexão com o público masculino e entre si.

Único lamento: que nenhum destes grupos tenha ainda me convidado para compartilhar idéias e ações...

Tão afirmativo e criativo quanto isso, me parece a qualidade da performance destes profissionais brasileiros, que - ao contrário de seus colegas britânicos (também organizados ao redor das mesmas causas) - não sentiram a necessidade de se vestir de Batman ou Robin, (como fizeram os ingleses), arriscando alardear ainda mais um provável processo de suposta infantilização desta geração de homens, ao divulgar suas (justíssimas) campanhas pela guarda compartilhada dos filhos de casais separados, ou simplesmente por uma paternidade mais eloqüente e presente).

Se urge que os seres nascidos com sexo masculino reflitam suas próprias questões, urge também que os seres nascidos com sexo feminino sejam (ainda!) estimulados a ouvir (ainda!) mais e a acusar menos, dando tempo e espaço para que as reflexões masculinas (supostamente tão almejadas pelo contingente feminino) se sintam de fato à vontade para emergir e agir,o que permitirá amadurecer suas identidade e potência.

Patriarcado e patriarcalismo não são fenômenos necessariamente gerados e alimentados por seres nascidos com sexo masculino: esta é outra reflexão compartilhável, fraterna, solidária e democrática que desenvolvo melhor em meu livro “Homem ainda não existe” (sobre a construção do ator social masculino pós moderno), em produção, sob a guarda da Agente Literária Ana Maria Santeiro.

B - Sete de Março: O DIA DO HOMEM...

Ao longo de 2004, tive a oportunidade de Coordenar a implantação de um novo Plano Diretor, que propus à Comunidade de Emaús, um dos setores do Banco da Providência, no Rio de Janeiro, que se dedica a desenvolver um Projeto socio-pedagógico com seres de sexo masculino ditos “moradores de rua” e / ou egressos do sistema penitenciário, o que significa (dado o que o local suporta atender com qualidade mínima) o atendimento sistemático de um contingente de 70 homens, diariamente.

Além das atividades administrativas, burocráticas, políticas e financeiras compulsórias ao cargo, mantive contato diário com muitos daqueles homens, entrevistando-os individualmente, focando a conversa nas questões das masculinidades: o que significaria “ser um homem”, a relação deles com seus corpos masculinos e sua saúde, relação do pai (ou cuidador masculino) de cada um deles com eles, relação deles próprios com seus filhos, benefícios e ônus de ser um ser nascido com sexo masculino, manifestações de possíveis homofobias recebidas e / ou exercidas, experiências de violência, etc.

As diferenças fruto prioritariamente do perfil sócio-econômico entre estes homens, e os homens atendidos na escola Carolina Patrício, não se manifestavam quanto à resistência a estas atividades (não só de conversar sobre estes assuntos, mas a de fazê-lo com uma profissional mulher): quanto a estes pontos, a resistência inicial era a mesma.

Busquei métodos semelhantes para “vencê-la”: colocar (em primeiro lugar) o assunto “às claras”, buscar falar dele e mesmo rir com ele ou dele, e demonstrações de acolhimento incondicional não só à resistência em si, mas também – é claro – às opiniões emitidas e as histórias (riquíssimas) narradas.

Anotei estas entrevistas, o que será motivo de outro texto, no futuro.

Em tempo, outra atividade que desenvolvi com estes homens, para motivá-los às demais atividades do Projeto, o que incluía o meu trabalho sobre masculinidades, foi – nos fins de semana – visitar, com eles, instituições culturais: exposições de Artes Plásticas, Museus diversos, etc. Muitos deles comentaram comigo, que “...pensavam que aqueles lugares não eram para eles, e que, depois que tinham descoberto que podiam não só visitá-los como quaisquer cidadãos, mas também ter com quem conversar sobre suas impressões, tudo em suas vidas seria diferente”... Acrescento que “suas impressões” eram pertinentes, frequentemente interessantíssimas...

O laço de acolhimento REAL, e confiança mútua, criado aí, foi fundamental para o próximo passo do trabalho que lá desenvolvi.

Já em 2005, dois meses antes de encerrar as atividades na Comunidade de Emaús, ao verificar que as equipes dos educadores trabalhava com eles, didática e corretamente, atividades voltadas ao Dia Internacional das Mulheres, em 08 de Março (trabalhando temas como Dizer “não” à Violência contra mulheres e crianças, por exemplo), propus a eles a celebração do “Dia do Homem”, no dia 07 de Março.

Neste dia nos reunimos no auditório local, mantendo todos mobilizados para cada um dos detalhes referentes à produção do evento (água para todos, lanche, roupa adequada a atividades corporais, ventiladores suficientes, etc.).

Pela primeira vez em suas vidas aqueles homens se reuniram para compartilhar as questões que tinham começado a “borbulhar” nas prévias entrevistas individuais (mantive apenas o papel de coordenadora dos debates / diálogos desenvolvidos, lembrando os temas já abordados nas entrevistas).

Alguns tinham passado por elas, outros ainda não, mas todos tinham ciência do desenrolar delas, e estas entrevistas eram clara e eloquentemente comentadas, todos os dias; a repercussão delas foi indiscutivelmente enorme, só comparáveis aos “dias seguintes” das atividades culturais de fins de semana...

Inclusive porque tive o cuidado de desenvolvê-las TAMBÉM com os FUNCIONÁRIOS homens e EDUCADORES homens, para que não pairasse no ar nem uma distinção “homens institucionalizados”, como compulsoriamente estigmatizados (vitimizados / problemáticos / necessitados de cuidados especiais, etc.), e “homens autônomos” (“resolvidos”, que não precisavam ser entrevistados, etc.,), nem algum reforço inadequado do fantasma da exclusão.

Deixei, com isso, público e claro que MASCULINIDADES SÃO MASCULINIDADES, e questão de todo ser nascido com sexo masculino. Questão importante para TODOS.

Também chamou a atenção deles (por comentários durante algumas entrevistas, e / ou nos corredores) que eu entrevistasse, da mesma maneira, dispensando os mesmos cuidados e atenções, focando rigorosamente os mesmos assuntos, os heterossexuais e os homossexuais.

Infelizmente não tive a oportunidade de fazer alguma espécie de “follow up” destas atividades.

Não só por impossibilidades diversas que não permitiram uma visita posterior à instituição, mas também devido à natural “rotatividade” da clientela.

Este 07 de Março foi devidamente fotografado: seu único registro, além deste texto, por enquanto.

Desde então procurei aproximadamente 500 (quinhentas) instituições (ONGs, empresas, órgãos governamentais, escolas, Universidades públicas e particulares), com a proposta de desenvolver novas Oficinas onde sejam deflagrados novos focos / espaços que acolham o debate das questões das masculinidades.

Até hoje, janeiro de 2008, tive 00 (zero) respostas...

Repito: patriarcado, patriarcalismos e patrimonialismo não são fenômenos necessariamente gerados e alimentados por seres nascidos com sexo masculino, e / ou por “indivíduos”.

O (literalmente) “buraco” é mais embaixo: hipercomplexo.

O filósofo Gilles Deleuze acreditava que “a casa vazia obrigasse o jogo a andar”.

Embora não me sinta exatamente uma “fã” deste autor, opto por me posicionar com o mesmo otimismo que ele: o “buraco” começa a ficar “esfomeado de providências”, e isso vai nos obrigar a gerar novas respostas, vai especialmente provocar a renovação da reflexão dos seres nascidos com o sexo masculino (já que “homem ainda não existe”), sem que percamos o senso crítico de cada passo, para que os Projetos sobre isso emerjam livres, o mais espontânea e o menos manipulada / populistamente possível.

Já o brasileiro Roberto Schwarz não se satisfaz com o “jogo”; reivindica Projeto; um jogo que planeje um gol.

Enquanto isso, o crítico de arte Prof. Ronaldo Brito é quem assinala ainda a necessidade do processo de jogo com senso crítico sempre atento, a podar as ingenuidades e a conduzir às renovações dos projetos.

Quero jogar; meu gol-Projeto, a plantação de reflexões, de ações que forem direito meu, a plausibilidade da germinação de duetos.

Legitimada, eu?

POR QUE NÃO?

Para uma QUESTÃO pertinente?

Alguém conseguiria discordar?

Que “digam, ou se calem para sempre”!

Ao debate!

Ao diálogo!

Ao dueto!

Caminhemos para alguma coisa que fuja ao silêncio doentio, burro, mentiroso ou hipócrita(*) , à inércia “conveniente”, à imundície escondida sob os tapetes da vida, à mentirosa impecabilidade dos antigos discursos supostamente “verdadeiros”.


(*)...”Somente a pura violência é muda, e por esse motivo a violência, por si só, jamais pode ter grandeza”... (Arendt, H.; A Condição Humana;1958/2005, pág.35).


ILUSTRAÇÃO : HENRI MATISSE - Two Dancers - 1938

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