I- Introdução : Homem ainda não existe
II- Desenvolvimento : Curiosa Legitimidade
III- Relato de Experiências Práticas como Exemplo de Atividades Reflexivas e Afirmativas
sobre o Assunto
A- "Pelo Apeitamento Paterno!"... - A Campanha que Urge.
B- Sete de Março : O Dia do Homem.
(Dedicado a todos; especial carinho ao Prof. Larry Sommers, Harvard/USA)
I – INTRODUÇÃO: HOMEM AINDA NÃO EXISTE! :
“Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”.
(Monterroso, A. [Considerado o menor conto do mundo, autor guatemalteco, falecido em 2002]. O Globo, Caderno Prosa e Verso, coluna de Sant’Anna, A. R., 15/03/03, p.2.).
Homens são freqüentemente identificados pelo senso comum como “os donos do(s?) mundo(s?)”, e o patriarcalismo, aqui e acolá dito falido, como alguma coisa forte e na verdade inabalável, construída e exercida prioritariamente pelo contingente masculino, especialmente o dito heterossexual.
A única “lição” impossível para elas, na educação e formação de seus filhos homens, é a “aula”: “O que é ser um homem”. Esta “aula”, só outra(s) figura(s) masculina(s), e/ou o ambiente masculino ao redor, ministra aos meninos.
Quantos meninos têm a sorte de encontrar pais homens e professores homens eticamente acolhedores, reflexivos e críticos quanto sua própria Identidade Masculina? Infelizmente isso é espantosamente raro.
Mesmo um suposto exímio “cumprimento da função paterna por mães” não a substitui, ao contrário do que muitos terapeutas alardearam durante um período ainda recente.
Quanto mais esta “aula” é precária ou silenciada (nos universos íntimo e público), o que os meninos absorvem e desenvolvem é a mera caricatura do que “parece” masculino, APARENTA ser o masculino.
Nossos meninos absorvem o que tantos mestres, (ou às vezes pretensa mestra) precário ou silencioso exibe: alienação de experiências com a própria interioridade; alienação de contatos com camadas minimamente profundas da afetividade;alienação do que poderia ser considerado um núcleo das masculinidades possíveis.
Como se não bastasse, podemos inferir o risco de desamparo de um homem (especialmente se heterossexual, já que costuma ser mantido especialmente alienado da experiência com a interioridade e com o afeto) sob o “alto teor de filicídio masculino ambiente”, através de uma breve reflexão (fantasiosa?) sobre acontecimentos diários, ao nosso redor.
- responsáveis negligentes na intimidade (um pai abusador ou negligente, uma mãe invasora, ou ambos; outros adultos com ou sem laços sanguíneos, mas com perfis semelhantes aos destes pais);
- famílias desajustadas o suficiente para lesar a qualidade da construção da singularidade de alguma criança, púbere ou adolescente;
- colégios mal conduzidos (por rigores mórbidos, por exemplo);
- religiões ou religiosos mais preocupadas com a punição e a morte que com a piedade e com a Vida;
- ou mesmo políticos clara ou dissimuladamente bélicos ou genocidas no mundo público, já que o “efeito devastador” sobre nossas crianças (e especialmente – insisto – sobre nossos meninos) é sempre o mesmo.
Digamos que uma mulher submetida a várias formas de submissão e/ou violência, típicas de diversos ambientes patriarcalmente patrimoniais, fundamentalistas e/ou misóginos, como acontece muitas vezes, sobrevive a possíveis traumas.
A possibilidade de existir por perto dela uma Organização direcionada especificamente a mulheres, pronta a lhe dar acolhimento (incentivador para salutares rupturas, protetor quanto à jurisprudência, reconstrutor de corpo e alma quando necessário, e apoiador em projetos concretos e esperanças plausíveis) é imensa, mesmo em pontos geográficos precaríssimos.
No mínimo desde as sufragistas, mulheres foram aprendendo a utilizar o seu talento empático para assim se organizar, refletindo sobre suas idiossincráticas questões, a ponto de (mesmo que clandestinamente, como a RAWA, no Afganistão) ter mundialmente esta rede a sua disposição, tornando esta “ressurreição” uma potência realista, conquistada por seu coletivo, destinada a seu planetário coletivo.
Isto foi possível graças à iniciativa autônoma / autoral de mulheres, na sua maioria anônimas apesar das eventuais e necessárias lideranças que vão saindo inevitavelmente desse anonimato por repercussão legítima de conquistas, ao longo da história, ao longo de sua história, história de feminidades.
Daí o gay não ser tão desamparado quanto o heterossexual neste ponto, pois - mesmo que sua família tenha colaborado com o Mundo para que ele se mantivesse alienado de sua interioridade e seu afeto - seu coletivo, sua organização, agora o reaproximam de uma boa parte de sua experiência subjetiva. Isso já o apóia; o ajuda a se “desalienar”.
O que aconteceria com um homem diante de episódios problemáticos, traumáticos, e suas masculinidades (neste caso, não só o heterossexual, mas também o homoerótico)?
Afinal, homens também estão sujeitos a estupros, por exemplo.
Idiossincrasia masculina:
O que seria “ser um homem”, já que raramente eles o dizem uns para os outros no dia a dia?
Este é o pé, o calcanhar, a panturrilha, o joelho, a coxa, a virilha, o sexo, a barriga, a cintura, o peitoral, as costas, a coluna, os ombros, os braços, as mãos, o pescoço, a cabeça, e – especialmente – o coração de nossos frágeis Aquiles.
Seus corpos mortos (inclusive em vida!) pouco compartilham com as mulheres e crianças que sobram dessa silente per-versão.
NADA contra o pênis, mas... um PODER REAL (logo, arejado para possíveis renovações, e COMPARTILHÁVEL) virá de menos FALO e mais FALA?...
A piada é antiga, mas o silêncio continua contemporâneo.
A sociedade/cultura de massa repete sempre que pode que “manter padrões” é quase garantia de sanidade.
Sanidades que atacam ou destroem a Vida e sua qualidade não quero, muito obrigada...
Loucura “da boa” é aquela capaz de SUB-VERTER, criar, no Espaço (com ciência, com Arte), e no Tempo (gestando Vida plausível e minimamente divertida até para descendentes que ainda não nasceram).
Com o tempo, o número de autoras mulheres só fez aumentar.
Mais ou menos há dez anos atrás, o Mercado Editorial parece ter percebido que os consumidores respondiam bastante bem ao assunto.
Coincidentemente (ou não), os autores homens proliferaram também, o que talvez seja muito salutar, mesmo que deflagrado a partir de sintomática motivação mercadológica: QUESTÕES não deveriam ser demonizadas, o que deve incluir as político-econômicas que tanto pesam no diálogo / debate entre gêneros.
A humanidade AINDA tolera (contemporaneamente!) grupos sociais que impedem (entre tantas interdições cotidianas espantosamente distantes de qualquer coisa que possa ser chamada “qualidade de vida”) que mulheres sejam alfabetizadas, tomem decisões sobre seus destinos, ou sequer sobre seus corpos, e – assombro dos assombros – votem.
Somos obrigados a reconhecer que mulheres tiveram (pelo menos a partir do desenvolvimento dos processos psicossociais que caracterizaram a história da instalação do patriarcalismo/patrimonialismo) muitas dificuldades quanto se sentirem (ou serem de fato) autorizadas a tornar público o seu pensar, o seu falar, o seu investigar, o seu avaliar, o seu escrever, o seu decidir; o seu onde, o seu quando, o seu o quanto, o seu como.
Estes livros com ar “oficial” surgiram paralelamente aos que se dedicavam à psicologia, à psicanálise, e à sexualidade, e, de certa maneira, “documentaram” o que chamamos genérica (e às vezes equivocadamente) de “feminismo”, fenômeno que salutarmente não teve “ponto final”, continuando em evolução (ou “evoluindo na Avenida da Vida”), provocando a democrática popularidade da literatura sobre o tema “gênero”, seja lá qual for a melhor nomenclatura para designá-lo neste pós-moderno momento.
E daí?...
Com o tempo, o número de autoras mulheres se multiplicou, e continua a se multiplicar, porque quanto mais se rompe com “jogos” viciados, mais se experimenta coisas novas, e mais se tem o quê documentar; aí, quanto mais se escreve, mais se fala e mais se age; aí, quanto mais se age e se fala, mais se escreve, etc. etc. etc...
Paralelamente a noção de “micro” referente às noções de família e / ou de intimidade tomaram as mesmas proporções de importância diante do “macro” referente à “gestalt” da tessitura do Universo composto pelas questões bio-psico-éticas-estéticas-culturais-políticas-econômicas-sociais.
Quem sabe isso me leve (pelo menos!) a alguns novos interlocutores que possam ter se sentido até agora constrangidos a fazer estas mesmas perguntas ?
Em que ponto da recorrente “curiosidade” podemos inconscientemente passar ao terreno de um questionamento velado sobre uma possível “CURIOSA LEGITIMIDADE”, que parece estar em jogo, podendo ser “concedida” ou mesmo “negada”, no viciado / viciante JOGO que teima em pairar no ar do – repito - caldo cultural do senso comum:
“-Mamãe / Papai posso ir? Quantos passos”?...
Que “tapetes”?
Aqui, “personas” profissionais cujo discurso (acadêmico ou não) não corresponde ao comportamento diário; ali, a ignorância, muitas vezes compulsória, alimentada e oportunisticamente aplaudida; acolá, a preguiça referente a revitalizantes rompimentos do texto e do subtexto envolvidos por este tipo de empreitada; e por aí vai.
De relacionamentos e pactos fraudulentos o mundo está cheio...ou não?
Qualidade demanda atenção a minúcias...
Como se delineiam as fronteiras do senso crítico (e – por que não - da justiça) quando um ser – que, de fato, não tem como experimentar o que é nascer e / ou se tornar um homem - decide investigar técnica e teoricamente para debater (ou mesmo tomar decisões sobre) o que é (ou não) “fenômeno masculino, fenômeno de masculinidades”?...
Uma mulher pode – no máximo – experimentar alguns aspectos ditos “masculinos” em sua constituição subjetiva; isto não faz dela um homem; não permite a ela experimentar o que venha a ser SER UM HOMEM.
Se esta criatividade desagrada e/ ou assusta alguns, é questão tão interessante quanto, que poderá ser desenvolvida num próximo texto, além dos já escritos – por exemplo, e com brilhantismo – pela psicanalista e socióloga Marlise Matos, hoje na UFMG-Brasil.
Autores brancos pesquisam negros, e vice versa.
Autores ocidentais pesquisam orientais, e vice versa.
Autores comprometidos com a “Situação” pesquisam questões de “Oposição”, e vice versa.
E assim por diante, se fizermos a lista de todas as “diferenças” supostamente antitéticas, mas sempre complementares, sempre que lembrarmos sua coexistência (pacífica ou não) no mundo.
Mas, o FOCO na questão gênero que será – para mim – mais familiar, imprimindo ao texto ares de autenticidade possível, talvez venha a ser – para muitos –, um dia, no mínimo uma hipótese com ares de saudável “contágio de questões”.
Longe de mim a intenção de pregar que mulheres, de fato, tenham direito restrito frente esta empreitada; longe de mim pretender restringir homens de pesquisar o que quiserem.
Igualmente longe de mim a intenção de supor que, para a construção de um homem, e para a compreensão dela, nascer com o corpo de um, baste.
“Mães invasoras” seriam mães com dificuldades quanto às noções do conceito de privacidade, o que envolve sua relação com sua própria privacidade, a sua colaboração na construção da noção de privacidade de seu filho, e o que acontece conscientemente ou não quanto o conceito de privacidade na experiência da própria relação: mãe / filho.
Diz também a psicanálise que, mães vivenciadas pelos filhos como “invasoras” (sendo-o ou não), especialmente quando acompanhadas da presença de pais vivenciados como hostis, ou mesmo violentos, (infelizmente um “dueto maléfico” muito freqüente), tendem a gerar filhos fóbicos e / ou ESPECIALMENTE ENCAPSULADOS.
“...Por un lado la sumisión que enceguecida responde a un mandato que se pretende natural: el sacrificio de una parte importante de la población, pero especialmente de los niños pobres, sin defensas de ningún tipo ante el avance del poder de los adultos (de los financistas que especulan con su existencia y el de algunos padres que repiten el maltrato a que ellos mismos fueron sometidos). Y por otro lado, se encuentra la lógica que dice que debemos amar la vida más que la obediencia; simplemente eso. Y no esperar como Isaac la muerte sin mirar, sin hablar, sin conocer, para después casi dejar de respirar. Debemos reconocer, por otro lado, la desigualdad de los adultos a las causas que promueven la violencia. Así por ejemplo, en tanto el estatuto social de la mujer se encuentre por debajo del estatuto del hombre, su frustración aumenta y se compensa con la sobrevaloración psicológica del hijo varón. Ello implica que hay una serie de mecanismos que promueven la sumisión de ese hijo, y ello lo ubica en una posición servil respecto de los poderes políticos, que lo manipulan psicoafectivamente, dejándolo sin trabajo, inerme, violentándolo con sueños que la publicidad dice realizables. Pero también esa ubicación del varón se compensa con la agresividad que éste descarga sobre los otros que cree más débiles, su mujer, sus hijos, los más pobres, los extranjeros. Se recorre así un circuito que va de compensación agresiva en compensación agresiva”...(Belgich, Horacio; “Subjetividad masculina: entre el Terror y el Temblor”, em http://www.psicomundo.com/foros/genero/index).
Logo, uma pergunta complementar se torna inevitável: a pesquisadora / teórica mulher, que decide investigar, debater (e / ou trabalhar tecnicamente) com o tema do masculino (e / ou das masculinidades), pode ser inoportunamente vivenciada – por exemplo - como MAIS uma reprodução de “mãe invasora” por seus entrevistados, por seus ouvintes / leitores, ou mesmo por suas equipes de trabalho?
Como preveni-lo?
Como lidar com este risco, ao longo de todo o processo de trabalho?
Como validar um trabalho assim direcionado com mais e melhor transparência?
Como criar um ambiente de legitimidade confiável (sem dúvida tecnicamente necessário) ao longo de todos os passos do processo, sem excluir mulheres do direito de fazê-lo?
Não negar sua plausibilidade parece ser o primeiro passo.
URGE.
Mas nossas crianças pós - modernas, que continuam sendo fruto de uma mãe e de um pai, não querem só comida: querem sabores, odores, toques, intuições, inspirações, insights, conexões; e querem tudo isso múltiplo, multifacetado, porque já nascem absorvendo - cada vez mais rapidamente - a idéia de que a oferta plural de informações deveria oferecer uma melhor qualidade de cardápios de escolhas vitais; de escolhas compartilháveis, fraternas, solidárias, e democráticas para a construção de alguma coisa que mereça o nome de “ futuro”, que possam e consigam, aliás, chamar de “seu”.
Homens não têm leite, mas têm peito.
Peito ora heróico, ora covarde, ora pau-prá-toda-obra, ora omisso, ora vanguardista, ora conservador, ora quente e fofo, ora duro e fugidio, ora justo, hora abusador, ora forte, ora frágil, ora exultante, ora desiludido, ora heterossexual, ora homossexual, ora bi, ora trans, ora pan, (e daí?), ora sábio, ora não, ora circunstancialmente vazio.
Humano, sempre.
E o principal : com “cara” própria; a tal da IDENTIDADE...
O acolhimento do leite materno poderá estar “colorido” por um leque infinito de sabores, que varie do mais amargo ao mais sufocantemente adocicado; mas um ponto tangencial a todos estes sabores estará sempre presente lá: algo que mereça o (circunstancial) nome de “perfil FEMININO”; afinal, androginias têm limite.
O acolhimento do peito paterno poderá transitar por igualmente infinito (mesmo que de outro tipo) leque de odores; mas um certo ponto de odor estará sempre presente lá: algo que mereça o (circunstancial) nome de “perfil MASCULINO”; afinal, androginias têm limite, idem-idem...
A experiência como psicóloga numa Escola carioca, com segmentos distintos para Educação Convencional e Educação Especial, me confirmou a importância do significado de tudo isso, entre os presentes (e futuros) homens, e as presentes (e futuras) mulheres.
Após seis meses de trabalho nos dois segmentos da Escola, passei a exigir que os pais (homens) também comparecessem às entrevistas de família.
Venci alguns momentos iniciais de previsível resistência, onde (por exemplo) alguns pais alegavam que “...não podiam freqüentar as atividades da Escola devido o horário de suas atividades profissionais”...
Me obrigaram a lembrar o óbvio, isto é, que as mães, hoje em dia, também têm atividade profissional, muitas são solteiras ou separadas, e nem por isso deixam de comparecer às escolas de seus filhos quando necessário.
Mas “venci”, evitando culpabilizá-los ou “demonizá-los”, preferindo acolhê-los fraternalmente.
Outras histórias emergiram, e passaram a somar, multiplicar, se repetir, confirmando umas as outras, estimulando o compartilhamento das informações, a comunicação sobre novos temas; começou a se (re)desenhar (para aqueles pais e para mim) um conjunto vivo dos conceitos que giram em torno do que chamamos de paternagem.
A história - de todas a mais - recorrente se caracterizava pelas afirmações: “...Não sei muito bem o que fazer para me relacionar com meus filhos; não sei muito bem o que fazer com esse tal papel de Pai, porque a relação do meu próprio pai comigo simplesmente não aconteceu, não existiu, não se concretizou; é quase como se eu fosse órfão de pai, órfão de pai vivo; não me lembro muito bem do que o meu pai falava comigo, o que ele fazia para me educar, o que ele fazia na minha vida, que papel ele tinha e teve”...
Em segundo lugar, vinham as dificuldades referentes a diferentes tipos e graduações de constrangimentos, decorrentes de prováveis inabilidades das mães destas mesmas crianças, com alguma dificuldade em compartilhar o "ensaio e erro" de educar e guardar estes filhos com seus parceiros, estes (novos?) pais homens; esses ainda jovens pais que não querem repetir o que experimentaram (ou deixaram de experimentar) com seus próprios pais homens.
Percebi que minha preocupação em dar espaço e escuta (ao invés de somar queixas, acusações, culpabilidade e demonizações) a estes seres nascidos com sexo masculino provocava uma resposta ainda mais eloqüente do que a que eu (confesso!) esperava.
Na Escola voltada para a Educação Especial esta resposta parecia mesmo “gritar”, já que freqüentemente estes pais homens, despreparados como os demais para a paternidade, mas “em dobro” para a paternidade de filhos especiais, eram culpabilizados pelo esfacelamento familiar, na medida em que - de fato - abandonavam (em pânico evidente) seus lares, pouco tempo após o nascimento de seus bebês especiais.
Este imenso contingente de homens, já carentes de relação satisfatória (e sinalizante de identidade) com seus próprios pais homens, foi inclusive, praticamente, proibido de “brincar de boneca” - isto é - de “brincar de pai”, por exemplo, na infância, além de todas as funestas consequências das histórias de "homens-não-choram", já tão (felizmente) cantadas em prosa e verso, o que já permite o deflagramento de seu “exorcismo”.
Com freqüência assustadora, suas companheiras continuam reafirmando a suposta “incompetência” deles nas atividades cuidadoras, (re)desqualificando as (novas?) tentativas de iniciativas masculinas.
E “brincar de pai” (com bonecas, por exemplo), continua (espantosamente) no estágio “tabu” para os nossos meninos.
Após seis anos e alguns meses deixei a escola; espero que este Projeto, especialmente direcionado para estas questões, independa de minha presença e continue a amadurecer. Espero poder levá-lo para novos “campos de germinação”.
Repeti-lo? “Imitá-lo”?
Para quê, mulheres?!...
Claro que a possibilidade da iniciativa de campanhas como essa, desenvolvidas por figuras masculinas sempre me deixa ainda mais feliz.
Se urge que os seres nascidos com sexo masculino reflitam suas próprias questões, urge também que os seres nascidos com sexo feminino sejam (ainda!) estimulados a ouvir (ainda!) mais e a acusar menos, dando tempo e espaço para que as reflexões masculinas (supostamente tão almejadas pelo contingente feminino) se sintam de fato à vontade para emergir e agir,o que permitirá amadurecer suas identidade e potência.
Patriarcado e patriarcalismo não são fenômenos necessariamente gerados e alimentados por seres nascidos com sexo masculino: esta é outra reflexão compartilhável, fraterna, solidária e democrática que desenvolvo melhor em meu livro “Homem ainda não existe” (sobre a construção do ator social masculino pós moderno), em produção, sob a guarda da Agente Literária Ana Maria Santeiro.
Em tempo, outra atividade que desenvolvi com estes homens, para motivá-los às demais atividades do Projeto, o que incluía o meu trabalho sobre masculinidades, foi – nos fins de semana – visitar, com eles, instituições culturais: exposições de Artes Plásticas, Museus diversos, etc. Muitos deles comentaram comigo, que “...pensavam que aqueles lugares não eram para eles, e que, depois que tinham descoberto que podiam não só visitá-los como quaisquer cidadãos, mas também ter com quem conversar sobre suas impressões, tudo em suas vidas seria diferente”... Acrescento que “suas impressões” eram pertinentes, frequentemente interessantíssimas...
O laço de acolhimento REAL, e confiança mútua, criado aí, foi fundamental para o próximo passo do trabalho que lá desenvolvi.
Já em 2005, dois meses antes de encerrar as atividades na Comunidade de Emaús, ao verificar que as equipes dos educadores trabalhava com eles, didática e corretamente, atividades voltadas ao Dia Internacional das Mulheres, em 08 de Março (trabalhando temas como Dizer “não” à Violência contra mulheres e crianças, por exemplo), propus a eles a celebração do “Dia do Homem”, no dia 07 de Março.
Pela primeira vez em suas vidas aqueles homens se reuniram para compartilhar as questões que tinham começado a “borbulhar” nas prévias entrevistas individuais (mantive apenas o papel de coordenadora dos debates / diálogos desenvolvidos, lembrando os temas já abordados nas entrevistas).
Alguns tinham passado por elas, outros ainda não, mas todos tinham ciência do desenrolar delas, e estas entrevistas eram clara e eloquentemente comentadas, todos os dias; a repercussão delas foi indiscutivelmente enorme, só comparáveis aos “dias seguintes” das atividades culturais de fins de semana...
Deixei, com isso, público e claro que MASCULINIDADES SÃO MASCULINIDADES, e questão de todo ser nascido com sexo masculino. Questão importante para TODOS.
Infelizmente não tive a oportunidade de fazer alguma espécie de “follow up” destas atividades.
Não só por impossibilidades diversas que não permitiram uma visita posterior à instituição, mas também devido à natural “rotatividade” da clientela.
Este 07 de Março foi devidamente fotografado: seu único registro, além deste texto, por enquanto.
Desde então procurei aproximadamente 500 (quinhentas) instituições (ONGs, empresas, órgãos governamentais, escolas, Universidades públicas e particulares), com a proposta de desenvolver novas Oficinas onde sejam deflagrados novos focos / espaços que acolham o debate das questões das masculinidades.
Até hoje, janeiro de 2008, tive 00 (zero) respostas...
Repito: patriarcado, patriarcalismos e patrimonialismo não são fenômenos necessariamente gerados e alimentados por seres nascidos com sexo masculino, e / ou por “indivíduos”.
O (literalmente) “buraco” é mais embaixo: hipercomplexo.
O filósofo Gilles Deleuze acreditava que “a casa vazia obrigasse o jogo a andar”.
Embora não me sinta exatamente uma “fã” deste autor, opto por me posicionar com o mesmo otimismo que ele: o “buraco” começa a ficar “esfomeado de providências”, e isso vai nos obrigar a gerar novas respostas, vai especialmente provocar a renovação da reflexão dos seres nascidos com o sexo masculino (já que “homem ainda não existe”), sem que percamos o senso crítico de cada passo, para que os Projetos sobre isso emerjam livres, o mais espontânea e o menos manipulada / populistamente possível.
Já o brasileiro Roberto Schwarz não se satisfaz com o “jogo”; reivindica Projeto; um jogo que planeje um gol.
Enquanto isso, o crítico de arte Prof. Ronaldo Brito é quem assinala ainda a necessidade do processo de jogo com senso crítico sempre atento, a podar as ingenuidades e a conduzir às renovações dos projetos.
Quero jogar; meu gol-Projeto, a plantação de reflexões, de ações que forem direito meu, a plausibilidade da germinação de duetos.
Legitimada, eu?
POR QUE NÃO?
Para uma QUESTÃO pertinente?
Alguém conseguiria discordar?
Que “digam, ou se calem para sempre”!
Ao debate!
Ao diálogo!
Ao dueto!
Caminhemos para alguma coisa que fuja ao silêncio doentio, burro, mentiroso ou hipócrita(*) , à inércia “conveniente”, à imundície escondida sob os tapetes da vida, à mentirosa impecabilidade dos antigos discursos supostamente “verdadeiros”.
(*)...”Somente a pura violência é muda, e por esse motivo a violência, por si só, jamais pode ter grandeza”... (Arendt, H.; A Condição Humana;1958/2005, pág.35).
ILUSTRAÇÃO : HENRI MATISSE - Two Dancers - 1938
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