sexta-feira, 8 de agosto de 2008

O PODER DA IDENTIDADE NA IDADE DAS IDADES : ENVELHECER AINDA É A MELHOR "OPÇÃO"...


Você por acaso é um dos muitos que vivem como quem não vai se tornar “Velho”, “Idoso”, “Cidadão-da-Terceira-Idade”?...

Pena, porque envelhecer é - ainda - a melhor das “opções”; talvez a única com potencial de se tornar atuante e divertida...

Nomenclaturas (e seus significados) podem mudar, sob transformações que a passagem do tempo vai propondo também a elas.

“....Existem imagens que associamos com a velhice. Para o antropólogo Gilberto Velho é interessante compreender como os sistemas simbólicos operam em nossa sociedade e quais redes de significado permitem a comunicação entre diferentes grupos”... “O enigma da velhice: a velhice é algo que nossos saberes e práticas já capturaram, algo que podemos nomear, intervir, acolher. Inúmeras pessoas trabalham para diminuir o desconhecimento sobre os idosos. Mas, não obstante, e ao mesmo tempo, a velhice é ‘um outro’. Algo que, para além da segurança de nossos saberes, desafia o poder de nossas práticas e abre um questionamento do edifício bem construído de nossas instituições de acolhimento.”... , talvez nos reste uma imagem do encontro com o outro”. Nesse sentido, a imagem da velhice deixaria de ser uma imagem da velhice, tornando-se uma imagem a partir do encontro com a velhice. Pensar nas imagens que produzimos sobre a velhice como imagens múltiplas e em transito, sem lugar fixo, que atravessam a infância, a juventude e a velhice. Quem sabe, seria interessante pensarmos em reinventar a velhice, talvez, escapando da criação de imagens a partir de comparações e equivalências.”...(Suzana Oliveira Dias; Bióloga).

O próprio TEMPO também - a sua maneira - tem passado por isso: transformações de nomenclaturas e significados. Aliás...

...“O tempo perguntou prô tempo quanto tempo o tempo tem;

o tempo disse prô tempo que o tempo tem tanto tempo

quanto tempo o tempo tem”...

Guiando-nos, por exemplo, pelo que desenvolve o historiador Reinhart Koselleck (falecido em 2006, aos bem vividos 82 anos), poderíamos dizer que o TEMPO também “está numa ‘Terceira Idade’”, pois poderíamos descrever sua relação conosco em - no mínimo - três etapas (por enquanto), com características bem específicas:

1. ANTIGUIDADE:

O tempo era vivido como fenômeno imediato, provavelmente parecia “mais lento”. Era um deus (‘da’ Natureza), “dono”, literalmente, dos indivíduos.

Tínhamos mitos e estórias, mas ainda não História, como viríamos a definir bem mais tarde.

2. IDADE MÉDIA:

Se o Presente dos indivíduos era desvalorizado, o Passado era “pecaminoso”, demonizado. Arrogantemente a Igreja se comportava como se fosse - agora ela - “a dona” do tempo.

O passado estava marcado por um suposto pecado original, desgraçando a qualidade do presente, e destinando um futuro direcionado a fantasmagóricas geografias (“céu-paraiso”, “inferno”, etc.), e - coletivamente - a um suposto “fim-do-mundo” cuja data a Igreja modificava, convenientemente, a seu bel prazer.

3. MODERNIDADE:

As “luzes” deflagram um processo de passado/presente/futuro serem tecidos (e compreendidos) simultaneamente. Passamos a compreender que - além de estórias - temos uma História.

O Sujeito se instituiu, passando a poder se sentir razoavelmente “dono” de seu tempo. Presente e - especialmente o futuro - a partir da possibilidade de consciência de reflexidade, ganharam possibilidade de privacidade, de escolha.
O coletivo humano compreendeu a necessidade de exigir responsabilizações (individuais e coletivas).

“...A Geriatria hoje distingue claramente as noções de velhice e de doença. No passado, entretanto, esses conceitos confundiam-se não somente na visão dos leigos, mas também entre especialistas. Atualmente sabemos perfeitamente que é possível um envelhecimento saudável que é, aliás, o objetivo central das políticas para a Terceira Idade da Organização Mundial de Saúde. Por outro lado, sabemos igualmente que as limitações físicas e cognitivas que ocorrem em decorrência do processo de envelhecimento freqüentemente atingem níveis que comprometem a autonomia do ser humano, principalmente na chamada Quarta Idade, ou seja, principalmente para os maiores de 75 anos.”... (Danilo Santos de Miranda; Diretor Regional do SESC São Paulo)

O que cidadãos da “Terceira Idade” têm a haver com Política?

Partindo do princípio que: qualquer um é político, na medida em que participe das decisões políticas através da ação, ou da não-ação, e que eles também ESTÃO VIVOS (e não “quase mortos”, como ainda são vistos por MUITA gente, e - às vezes - até por alguns deles mesmos), TUDO a haver...

As últimas pesquisas revelaram, segundo o Cientista Político Ademar Martins, que os eleitores brasileiros (já que estamos por aqui) com 60 a 69 anos são 8 milhões, e que isso corresponde ao dobro dos eleitores adolescentes. Logo, quem tem decidido as eleições?... Logo, se alguém quiser reclamar desses resultados, já sabe a quem... Se não for o caso de meramente “reclamar”, o que de fato seria pouco, e não costuma levar a muita novidade ou compreensão mais profícua do que está envolvido, talvez se divirta mais observando outros dados.

A despeito de ter sido criado em 1994 o “Conselho Nacional do Idoso”, e de já termos conhecido um “Partido dos Aposentados da Nação - PAN”, as promessas de campanha específicas e os programas partidários específicos continuam pobres, ou tímidos. O poder deste eleitor só começou a crescer na medida em que aumentou seu poder no Mercado. Mesmo assim, na maioria dos discursos políticos o “Idoso” continua recebendo o mesmo tratamento que o “deficiente”: ambos são visivelmente reconhecidos, mas visivelmente reconhecidos como “problemas”; identificados como UM PROBLEMA.

Aí, não só podemos voltar à questão do Outro apontado acima pela Bióloga Suzana Oliveira Dias, como à evolução da abordagem dirigida ao Outro, descrita pelo Historiador Reinhard Koselleck.

Segundo ele, poderíamos dizer que numa primeira etapa, deveríamos observar como o Outro era tratado se dividíssemos (na Antiguidade) o Mundo entre “Helenos, e Bárbaros”. Nesse momento, o Outro (o “Bárbaro”), é nominado (ora negativa, ora positivamente sob certa malícia), mas é reconhecido. É um Outro que pode me desagradar, me aterrorizar, de quem posso invejar certas coisas ou comportamentos que meus hábitos “civilizados” rejeitam, (enquanto meu impulsos os desejam), etc., mas eu o RECONHEÇO; reconheço sua existência; ela “está posta”, quer eu queira, quer não, quer eu a combata, quer eu a imite ou “canibalize” transculturalmente. A razão e a crítica não estão “abandonadas”, e há possibilidade de negociação, pois apenas “eu, Heleno, me considero um ser da Cultura, e sei que o Bárbaro é um ser da Natureza, e o trato como tal”. Apenas isso.

Numa segunda etapa, (Idade Média), se dividíssemos o Mundo entre “Cristãos e Pagãos”, vamos observar que o tratamento ao Outro se modifica, pois o Outro é nominado, mas é negado. NÃO PODE EXISTIR, NÃO DEVE EXISTIR; onde ele exista, eu vou buscá-lo, OU para “transformá-lo em mim”, transformá-lo em mais um igual a mim, OU para fazer com que ele desapareça, pois o Outro é uma aberração que NÃO PODE EXISTIR para que eu e o Mundo existamos em equilíbrio. A fé dita as regras, a Lei é de “Deus”, e “Deus” não negocia.

Na terceira, a Modernidade, uma postura cínica ganha terreno (o que abre as portas para um olhar por princípio malicioso, para a corrupção em quaisquer níveis, para a hipocrisia, para a negociação fraudulenta, etc.), na medida as divisões se multiplicam em dúzias de argumentações ideológicas, e em que o Outro passa a ser MENOSPREZADO IDEOLÓGICAMENTE. Minha fé não se dirige necessariamente a “Deuses”, mesmo que eu os use em meu discurso, mas é antes referenciada a alguém que eu elejo como sendo meu “mentor ideológico”. Nessa altura, curiosamente poderíamos citar tanto Kant (...”Todos os vícios... são desumanos, objetivamente falando, mas não obstante são humanos”...), quanto Nelson Rodrigues (...”Todo canalha precisa de uma ideologia que o justifique ou o absolva”...). Assim, “escreveu-não-leu”, você pode se tornar o Outro menosprezado de alguém, pois - infelizmente - ficam muito “ágeis” os processos de “criação de Outros” e de justificação para menosprezá-los (inclusive com relação aos cidadãos mais velhos). O Outro é qualquer um a ser potencialmente “DENOMINADO CIRCUNTANCIALMENTE” como tal (pois ideologias e seus poderes flutuam), e, quando isso acontece, a SER DETERMINADO COMO EXCLUÍDO, o que passa a significar SE TORNAR UM ser SUB-HUMANO, de preferência INVISÍVEL, geralmente SEM-LUGAR.

Se direcionarmos, ainda mais uma vez, a questão dos cidadãos da Terceira Idade para a nominação e a abordagem do Outro no nosso imaginário, podemos lembrar também o hermeneuta francês Paul Ricoeur. Ele lembra que não há nada “MENOS RECONHECÍVEL” que a Morte. Que quanto mais alguém (por quaisquer motivos) é diferente de nós, mais rapidamente o identificamos no nosso imaginário como uma espécie de “ARAUTO DA MORTE”. Desnecessário comentar o quanto isso pode se agravar quando o Outro é um idoso...

Como comentamos acima, o poder do cidadão na Terceira Idade aumentou politicamente na mesma proporção em que aumentou seu poder de consumidor no Mercado.

Política, Mercado e Mídia estão entrelaçados. Habermas tem textos lindos que descrevem o processo de conquista de poder que a população civil tem desenvolvido junto a Mídia: dando ou não audiência - ou “ibope” - ao que lhe é apresentado pelos veículos de comunicação, criando manifestações usando ironicamente a própria Mídia - internet, por exemplo - para interferir em processos decisórios, etc. É Isso que gera o fenômeno de MEDIAÇÃO PLAUSÍVEL (ou “mídia-ação”), que busca equilibrar poderes entre o UNIVERSO ÍNTIMO do cidadão e o UNIVERSO PÚBLICO das instituições políticas, mercadológicas e midiáticas.

“...A idéia de uma visão mais positiva do envelhecimento, que está começando a ganhar força nos dias atuais, é resultado de fatores variados, dentre os quais se destaca o crescimento numérico dos idosos no mundo inteiro. Em conseqüência cresce entre eles a consciência dos seus direitos, assim como sua capacidade de influência nas diversas esferas sociais.

O fato é que, com esta mudança de mentalidade, os valores culturais de juventude, competição e auto-suficiência estão se tornando, naturalmente, menos importantes para esta parcela mais velha da população. Por outro lado, novos valores, novas necessidades, novos questionamentos surgem a cada dia, sendo que muitas delas permanecem sem soluções e respostas. Talvez algumas das respostas possam ser encontradas na tentativa de se entender a questão da velhice através de uma análise histórica e cultural”.. (Nívea Leite; Historiadora e Arqueóloga).

Antes da TV, já nos anos 20 e 30, a imagem dos idosos era associada a remédios, e mais nada; ele era “um doente”.

Embora ainda hoje possamos dizer que há pouca representação deles quanto a seus reais desejos e necessidades, que sua representação social seja ainda predominantemente negativa, que ainda predomine a sua exclusão dos processos decisórios, houve - inegavelmente - evolução.

Já na década de 70, é fácil observar sua imagem representada como negativa; quando aparecem, é em papéis de pouca importância, como se “não tivesse o que se falar sobre eles” (ou não se soubesse o que falar sobre eles); o idoso não tem visibilidade significativa.

Na recente década de 80, onde o Mercado já os apontava como muito mais importantes e interessantes do que se imaginava, os consumidores idosos são sumariamente “esquecidos”. Há nesse período um estereótipo duplamente negativo: “Idosos são a MINORIA (primeira negação) FRÁGIL (segunda negação)... Suas deficiências são ainda ressaltadas (saúde, capacidade de trabalho, sociabilidade, etc.). Eventualmente alguma visibilidade é “CONCEDIDA”, porém na maioria das vezes PARA A RIDICULARIZAÇÃO (a “velha surda”, o “avô esclerosado”, os “velhos chatos”, etc.). Nos comerciais, passam a representar 5,4 % das personagens, raramente como consumidores em potencial, mesmo já representando 17% da população, sendo ainda mais difícil a visibilidade das mulheres mais velhas (é frequentemente insinuado que sua suposta “feiúra” é um “pecado-problema” para essa visibilidade negada).

Finalmente, na década de 90, os pesquisadores “descobrem” o consumidor idoso! Apesar disso, a Mídia (especialmente a brasileira) se mantém dúbia, pois vemos imagens contraditoriamente idealizadas “brigando” entre si: ora a imagem é a da “decadência que precisa de cuidados caridosos”, ora é a imagem do poderoso e supostamente autônomo e acessível “rejuvenescimento mágico” que é ressaltado. Mas é inegável que (já?) vemos que a participação econômica (como consumidor) e a participação social (como cidadão atuante na família, nos estudos, no trabalho e na política) “LEMBRA” a Mídia que o cidadão da Terceira Idade não só se tornou um Ator Social, como “LEMBRA” que este Ator-Autor utiliza eletrodomésticos, eletroeletrônicos, vai a Bancos pois tem conta neles, dirige automóveis, procura Arte e Cultura, faz turismo, usa cosméticos, namora, continua experimentando sexo... e - assim - comerciais específicos “pipocam” aqui e ali, com freqüência cada vez maior.

“...O século XXI trouxe uma novidade para o Brasil: a pirâmide demográfica brasileira está se europeizando, e se a taxa de crescimento da população de idosos se mantiver, em 2050 a pirâmide demográfica do Brasil não será diferente das do Primeiro Mundo. Hoje os idosos representam menos do que 10 % da população e já vistos como uma preocupação cada vez maior pela sobrecarga que trazem ao sistema de saúde e previdência públicas.

“...Como conciliar o envelhecimento da população brasileira, e a demanda pôr ações sociais voltadas ao cidadão com mais de 60 anos às demais urgências nacionais? Que destino terão esses velhos em nossa sociedade? O Brasil está preparado para absorver a crescente participação do velho na composição da sua população? Programas tais como os da Universidade da Terceira Idade respondem às necessidades atuais da população adulta? (Nívea Leite; Historiadora e Arqueóloga).

Lembremos que quanto mais os Atores Sociais-Autores da Terceira Idade foram se organizando (em alguns países, por exemplo), melhores e mais ágeis se tornaram as providências e as abordagens a eles referentes.

Na medida em que “ENVELHECER AINDA É A MELHOR ‘OPÇÃO’” para TODOS NÓS QUE PARTILHAMOS O MESMO DESTINO TRÁGICO, que reflexões podemos deixar aqui, tanto para nossa própria vida íntima, quanto para possíveis abordagens (profissionais ou não) a cidadãos da Terceira Idade?

Vou me pronunciar baseada não só em minhas reflexões particulares, mas também nestes dados que aqui compartilho, e na experiência prática das quatro Oficinas que coordenei sobre o tema, com cidadãos da Terceira Idade “em pessoa”, reunidas em quatro turmas, durante três meses cada turma, no Rio de Janeiro, a convite da competente D. Maria Helena Ribeiro e suas Equipes (com maiúscula!), cada uma num bairro diferente:

Por que não estimular e manter aceso o entusiasmo pelo desenvolvimento de ações e atitudes, nos universos privado e público, baseadas num poder plausível (o melhor possível) entre os indivíduos da clientela em questão?

Por que não lembrar da terceira Idade como um grupo que deve ter acesso a temas que - a princípio - possam parecer ‘sofisticados’, na medida em que a passagem do tempo não deveria significar “dever ficar burro”?

Já que humor faz bem à saúde, e a clareza da simplicidade pode favorecer reflexões profundas em quaisquer clientelas, pois quaisquer clientelas têm direito à autonomia e à sofisticação de seu pensamento, e conseqüentes autônomos processos decisórios sobre suas próprias questões, por que não incluir o humor como um especial tempero dessa sofisticação? Sofisticação não é sinônimo de “discurso inacessível e/ou complicado”... Simplicidade também conduz saberes sofisticados e humorados...

Um “Novo Compromisso de Atuação Diante da Idéia de Poder”, pode ser elaborado por qualquer grupo... ...ou partimos do princípio que a passagem do tempo nos torna incapazes disso?

Que tal re-identificar a ‘pessoa idosa’ ou ‘o indivíduo da Terceira Idade’ no seu espaço íntimo individual: a ‘pessoa idosa’ segundo ela mesma?

Que tal manter um movimento que já ganhou força, de re-identificar a ‘pessoa idosa’ ou ‘o indivíduo da Terceira Idade’ no Espaço Íntimo coletivo, onde ela também transita da família tradicional, para a família que vive as novidades de uma ‘destradicionalização’, com novos papéis para todos?

Que tal manter e acompanhar atentamente a re-identificação da ‘pessoa idosa’ no Espaço Público Político (frente ao Estado) à luz de suas conquistas, compreendendo melhor a sombra de suas limitações?

Que tal manter e acompanhar a re-identificação da ‘pessoa idosa’ no Espaço Público Econômico (frente ao Mercado), à luz de suas conquistas, compreendendo melhor a sombra de suas limitações?

Ilustração: IBERÊ CAMARGO, 1988.

Um comentário:

Isabella Reinert canta disse...

Sensível e preciso.

Avesso à idéia de empoderamento (argh!) desta clientela. O interessante é que a autonomia do próprio discurso deste grupo apareça. A nós, próximos ou não desta fase, cabe a atenção, o cuidado e respeito como os dispensados a outros estágios da vida. O incentivo é bem vindo, sempre. E o humor, como o texto ressalta, indispensável.

Beijo-lhe, Cristina