Você por acaso é um dos muitos que vivem como quem não vai se tornar “Velho”, “Idoso”, “Cidadão-da-Terceira-Idade”?...
Pena, porque envelhecer é - ainda - a melhor das “opções”; talvez a única com potencial de se tornar atuante e divertida...
Nomenclaturas (e seus significados) podem mudar, sob transformações que a passagem do tempo vai propondo também a elas.
“....Existem imagens que associamos com a velhice. Para o antropólogo Gilberto Velho é interessante compreender como os sistemas simbólicos operam em nossa sociedade e quais redes de significado permitem a comunicação entre diferentes grupos”... “O enigma da velhice: a velhice é algo que nossos saberes e práticas já capturaram, algo que podemos nomear, intervir, acolher. Inúmeras pessoas trabalham para diminuir o desconhecimento sobre os idosos. Mas, não obstante, e ao mesmo tempo, a velhice é ‘um outro’. Algo que, para além da segurança de nossos saberes, desafia o poder de nossas práticas e abre um questionamento do edifício bem construído de nossas instituições de acolhimento.”... , talvez nos reste uma imagem do encontro com o outro”. Nesse sentido, a imagem da velhice deixaria de ser uma imagem da velhice, tornando-se uma imagem a partir do encontro com a velhice. Pensar nas imagens que produzimos sobre a velhice como imagens múltiplas e em transito, sem lugar fixo, que atravessam a infância, a juventude e a velhice. Quem sabe, seria interessante pensarmos em reinventar a velhice, talvez, escapando da criação de imagens a partir de comparações e equivalências.”...(Suzana Oliveira Dias; Bióloga).
O próprio TEMPO também - a sua maneira - tem passado por isso: transformações de nomenclaturas e significados. Aliás...
...“O tempo perguntou prô tempo quanto tempo o tempo tem;
o tempo disse prô tempo que o tempo tem tanto tempo
quanto tempo o tempo tem”...
Guiando-nos, por exemplo, pelo que desenvolve o historiador Reinhart Koselleck (falecido em 2006, aos bem vividos 82 anos), poderíamos dizer que o TEMPO também “está numa ‘Terceira Idade’”, pois poderíamos descrever sua relação conosco em - no mínimo - três etapas (por enquanto), com características bem específicas:
1. ANTIGUIDADE:
O tempo era vivido como fenômeno imediato, provavelmente parecia “mais lento”. Era um deus (‘da’ Natureza), “dono”, literalmente, dos indivíduos.
Tínhamos mitos e estórias, mas ainda não História, como viríamos a definir bem mais tarde.
2. IDADE MÉDIA:
Se o Presente dos indivíduos era desvalorizado, o Passado era “pecaminoso”, demonizado. Arrogantemente a Igreja se comportava como se fosse - agora ela - “a dona” do tempo.
O passado estava marcado por um suposto pecado original, desgraçando a qualidade do presente, e destinando um futuro direcionado a fantasmagóricas geografias (“céu-paraiso”, “inferno”, etc.), e - coletivamente - a um suposto “fim-do-mundo” cuja data a Igreja modificava, convenientemente, a seu bel prazer.
3. MODERNIDADE:
As “luzes” deflagram um processo de passado/presente/futuro serem tecidos (e compreendidos) simultaneamente. Passamos a compreender que - além de estórias - temos uma História.
O Sujeito se instituiu, passando a poder se sentir razoavelmente “dono” de seu tempo. Presente e - especialmente o futuro - a partir da possibilidade de consciência de reflexidade, ganharam possibilidade de privacidade, de escolha.
O coletivo humano compreendeu a necessidade de exigir responsabilizações (individuais e coletivas).
“...A Geriatria hoje distingue claramente as noções de velhice e de doença. No passado, entretanto, esses conceitos confundiam-se não somente na visão dos leigos, mas também entre especialistas. Atualmente sabemos perfeitamente que é possível um envelhecimento saudável que é, aliás, o objetivo central das políticas para a Terceira Idade da Organização Mundial de Saúde. Por outro lado, sabemos igualmente que as limitações físicas e cognitivas que ocorrem em decorrência do processo de envelhecimento freqüentemente atingem níveis que comprometem a autonomia do ser humano, principalmente na chamada Quarta Idade, ou seja, principalmente para os maiores de 75 anos.”... (Danilo Santos de Miranda; Diretor Regional do SESC São Paulo)
O que cidadãos da “Terceira Idade” têm a haver com Política?
Partindo do princípio que: qualquer um é político, na medida em que participe das decisões políticas através da ação, ou da não-ação, e que eles também ESTÃO VIVOS (e não “quase mortos”, como ainda são vistos por MUITA gente, e - às vezes - até por alguns deles mesmos), TUDO a haver...
As últimas pesquisas revelaram, segundo o Cientista Político Ademar Martins, que os eleitores brasileiros (já que estamos por aqui) com 60 a 69 anos são 8 milhões, e que isso corresponde ao dobro dos eleitores adolescentes. Logo, quem tem decidido as eleições?... Logo, se alguém quiser reclamar desses resultados, já sabe a quem... Se não for o caso de meramente “reclamar”, o que de fato seria pouco, e não costuma levar a muita novidade ou compreensão mais profícua do que está envolvido, talvez se divirta mais observando outros dados.
A despeito de ter sido criado em 1994 o “Conselho Nacional do Idoso”, e de já termos conhecido um “Partido dos Aposentados da Nação - PAN”, as promessas de campanha específicas e os programas partidários específicos continuam pobres, ou tímidos. O poder deste eleitor só começou a crescer na medida em que aumentou seu poder no Mercado. Mesmo assim, na maioria dos discursos políticos o “Idoso” continua recebendo o mesmo tratamento que o “deficiente”: ambos são visivelmente reconhecidos, mas visivelmente reconhecidos como “problemas”; identificados como UM PROBLEMA.
Aí, não só podemos voltar à questão do Outro apontado acima pela Bióloga Suzana Oliveira Dias, como à evolução da abordagem dirigida ao Outro, descrita pelo Historiador Reinhard Koselleck.
Segundo ele, poderíamos dizer que numa primeira etapa, deveríamos observar como o Outro era tratado se dividíssemos (na Antiguidade) o Mundo entre “Helenos, e Bárbaros”. Nesse momento, o Outro (o “Bárbaro”), é nominado (ora negativa, ora positivamente sob certa malícia), mas é reconhecido. É um Outro que pode me desagradar, me aterrorizar, de quem posso invejar certas coisas ou comportamentos que meus hábitos “civilizados” rejeitam, (enquanto meu impulsos os desejam), etc., mas eu o RECONHEÇO; reconheço sua existência; ela “está posta”, quer eu queira, quer não, quer eu a combata, quer eu a imite ou “canibalize” transculturalmente. A razão e a crítica não estão “abandonadas”, e há possibilidade de negociação, pois apenas “eu, Heleno, me considero um ser da Cultura, e sei que o Bárbaro é um ser da Natureza, e o trato como tal”. Apenas isso.
Numa segunda etapa, (Idade Média), se dividíssemos o Mundo entre “Cristãos e Pagãos”, vamos observar que o tratamento ao Outro se modifica, pois o Outro é nominado, mas é negado. NÃO PODE EXISTIR, NÃO DEVE EXISTIR; onde ele exista, eu vou buscá-lo, OU para “transformá-lo em mim”, transformá-lo em mais um igual a mim, OU para fazer com que ele desapareça, pois o Outro é uma aberração que NÃO PODE EXISTIR para que eu e o Mundo existamos em equilíbrio. A fé dita as regras, a Lei é de “Deus”, e “Deus” não negocia.
Se direcionarmos, ainda mais uma vez, a questão dos cidadãos da Terceira Idade para a nominação e a abordagem do Outro no nosso imaginário, podemos lembrar também o hermeneuta francês Paul Ricoeur. Ele lembra que não há nada “MENOS RECONHECÍVEL” que a Morte. Que quanto mais alguém (por quaisquer motivos) é diferente de nós, mais rapidamente o identificamos no nosso imaginário como uma espécie de “ARAUTO DA MORTE”. Desnecessário comentar o quanto isso pode se agravar quando o Outro é um idoso...
Política, Mercado e Mídia estão entrelaçados. Habermas tem textos lindos que descrevem o processo de conquista de poder que a população civil tem desenvolvido junto a Mídia: dando ou não audiência - ou “ibope” - ao que lhe é apresentado pelos veículos de comunicação, criando manifestações usando ironicamente a própria Mídia - internet, por exemplo - para interferir em processos decisórios, etc. É Isso que gera o fenômeno de MEDIAÇÃO PLAUSÍVEL (ou “mídia-ação”), que busca equilibrar poderes entre o UNIVERSO ÍNTIMO do cidadão e o UNIVERSO PÚBLICO das instituições políticas, mercadológicas e midiáticas.
“...A idéia de uma visão mais positiva do envelhecimento, que está começando a ganhar força nos dias atuais, é resultado de fatores variados, dentre os quais se destaca o crescimento numérico dos idosos no mundo inteiro. Em conseqüência cresce entre eles a consciência dos seus direitos, assim como sua capacidade de influência nas diversas esferas sociais.
O fato é que, com esta mudança de mentalidade, os valores culturais de juventude, competição e auto-suficiência estão se tornando, naturalmente, menos importantes para esta parcela mais velha da população. Por outro lado, novos valores, novas necessidades, novos questionamentos surgem a cada dia, sendo que muitas delas permanecem sem soluções e respostas. Talvez algumas das respostas possam ser encontradas na tentativa de se entender a questão da velhice através de uma análise histórica e cultural”.. (Nívea Leite; Historiadora e Arqueóloga).
Antes da TV, já nos anos 20 e 30, a imagem dos idosos era associada a remédios, e mais nada; ele era “um doente”.
Embora ainda hoje possamos dizer que há pouca representação deles quanto a seus reais desejos e necessidades, que sua representação social seja ainda predominantemente negativa, que ainda predomine a sua exclusão dos processos decisórios, houve - inegavelmente - evolução.
Já na década de 70, é fácil observar sua imagem representada como negativa; quando aparecem, é em papéis de pouca importância, como se “não tivesse o que se falar sobre eles” (ou não se soubesse o que falar sobre eles); o idoso não tem visibilidade significativa.
Na recente década de 80, onde o Mercado já os apontava como muito mais importantes e interessantes do que se imaginava, os consumidores idosos são sumariamente “esquecidos”. Há nesse período um estereótipo duplamente negativo: “Idosos são a MINORIA (primeira negação) FRÁGIL (segunda negação)... Suas deficiências são ainda ressaltadas (saúde, capacidade de trabalho, sociabilidade, etc.). Eventualmente alguma visibilidade é “CONCEDIDA”, porém na maioria das vezes PARA A RIDICULARIZAÇÃO (a “velha surda”, o “avô esclerosado”, os “velhos chatos”, etc.). Nos comerciais, passam a representar 5,4 % das personagens, raramente como consumidores em potencial, mesmo já representando 17% da população, sendo ainda mais difícil a visibilidade das mulheres mais velhas (é frequentemente insinuado que sua suposta “feiúra” é um “pecado-problema” para essa visibilidade negada).
Finalmente, na década de 90, os pesquisadores “descobrem” o consumidor idoso! Apesar disso, a Mídia (especialmente a brasileira) se mantém dúbia, pois vemos imagens contraditoriamente idealizadas “brigando” entre si: ora a imagem é a da “decadência que precisa de cuidados caridosos”, ora é a imagem do poderoso e supostamente autônomo e acessível “rejuvenescimento mágico” que é ressaltado. Mas é inegável que (já?) vemos que a participação econômica (como consumidor) e a participação social (como cidadão atuante na família, nos estudos, no trabalho e na política) “LEMBRA” a Mídia que o cidadão da Terceira Idade não só se tornou um Ator Social, como “LEMBRA” que este Ator-Autor utiliza eletrodomésticos, eletroeletrônicos, vai a Bancos pois tem conta neles, dirige automóveis, procura Arte e Cultura, faz turismo, usa cosméticos, namora, continua experimentando sexo... e - assim - comerciais específicos “pipocam” aqui e ali, com freqüência cada vez maior.
“...O século XXI trouxe uma novidade para o Brasil: a pirâmide demográfica brasileira está se europeizando, e se a taxa de crescimento da população de idosos se mantiver, em 2050 a pirâmide demográfica do Brasil não será diferente das do Primeiro Mundo. Hoje os idosos representam menos do que 10 % da população e já vistos como uma preocupação cada vez maior pela sobrecarga que trazem ao sistema de saúde e previdência públicas.
“...Como conciliar o envelhecimento da população brasileira, e a demanda pôr ações sociais voltadas ao cidadão com mais de 60 anos às demais urgências nacionais? Que destino terão esses velhos em nossa sociedade? O Brasil está preparado para absorver a crescente participação do velho na composição da sua população? Programas tais como os da Universidade da Terceira Idade respondem às necessidades atuais da população adulta? (Nívea Leite; Historiadora e Arqueóloga).
Lembremos que quanto mais os Atores Sociais-Autores da Terceira Idade foram se organizando (em alguns países, por exemplo), melhores e mais ágeis se tornaram as providências e as abordagens a eles referentes.
Na medida em que “ENVELHECER AINDA É A MELHOR ‘OPÇÃO’” para TODOS NÓS QUE PARTILHAMOS O MESMO DESTINO TRÁGICO, que reflexões podemos deixar aqui, tanto para nossa própria vida íntima, quanto para possíveis abordagens (profissionais ou não) a cidadãos da Terceira Idade?
Vou me pronunciar baseada não só em minhas reflexões particulares, mas também nestes dados que aqui compartilho, e na experiência prática das quatro Oficinas que coordenei sobre o tema, com cidadãos da Terceira Idade “em pessoa”, reunidas em quatro turmas, durante três meses cada turma, no Rio de Janeiro, a convite da competente D. Maria Helena Ribeiro e suas Equipes (com maiúscula!), cada uma num bairro diferente:
Por que não lembrar da terceira Idade como um grupo que deve ter acesso a temas que - a princípio - possam parecer ‘sofisticados’, na medida em que a passagem do tempo não deveria significar “dever ficar burro”?
Já que humor faz bem à saúde, e a clareza da simplicidade pode favorecer reflexões profundas em quaisquer clientelas, pois quaisquer clientelas têm direito à autonomia e à sofisticação de seu pensamento, e conseqüentes autônomos processos decisórios sobre suas próprias questões, por que não incluir o humor como um especial tempero dessa sofisticação? Sofisticação não é sinônimo de “discurso inacessível e/ou complicado”... Simplicidade também conduz saberes sofisticados e humorados...
Um “Novo Compromisso de Atuação Diante da Idéia de Poder”, pode ser elaborado por qualquer grupo... ...ou partimos do princípio que a passagem do tempo nos torna incapazes disso?
Que tal re-identificar a ‘pessoa idosa’ ou ‘o indivíduo da Terceira Idade’ no seu espaço íntimo individual: a ‘pessoa idosa’ segundo ela mesma?
Um comentário:
Sensível e preciso.
Avesso à idéia de empoderamento (argh!) desta clientela. O interessante é que a autonomia do próprio discurso deste grupo apareça. A nós, próximos ou não desta fase, cabe a atenção, o cuidado e respeito como os dispensados a outros estágios da vida. O incentivo é bem vindo, sempre. E o humor, como o texto ressalta, indispensável.
Beijo-lhe, Cristina
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