sábado, 7 de novembro de 2009

ESTÓRIAS DA HISTÓRIA DOS ESTUDOS SOBRE AS MASCULINIDADES


1.BIBLIOGRAFIA RESUMIDA SOBRE MASCULINIDADES COMENTADA; como quem conta ’Era uma vez...’: as Masculinidades através de muita coisa que já se escreveu sobre ela

2.PARA QUEM CHEGOU AO BLOG AGORA: PORQUE ESCREVI ISSO


(Na ilustração aparentemente um 'quadrado', porém mutante...)


1.BIBLIOGRAFIA RESUMIDA SOBRE MASCULINIDADES COMENTADA; como quem conta ’Era uma vez...’: as Masculinidades através de muita coisa que já se escreveu sobre ela


a) J. M. Barrie em 1904 (peça) e 1911 (livro): “Peter Pan

Ele se antecipa a debates da psicanálise que temos ainda hoje; nem todas as personagens são crianças; apenas os masculinos.

Sua infantilidade é definida em oposição específica às que contém características nitidamente adultas: generoso auto-sacrifício, cuidado do Outro, curiosidade sexual, ciúmes sexuais, ternura maternal (Sininho, Tiger, Lily, Sra. Darling, as Sereias, a criada Liza - que revela ser a mãe de um dos meninos-perdidos -, a Pássara-do-Nunca, e a própria Wendy - que têm consciência de que é ainda uma menina, não podendo se ‘tornar mãe’ dos meninos-perdidos).

Segundo a crítica literária Nicola Shulman, (que não é psicóloga ou psicanalista!) os casos de meninos/homens presos nessa condição vêm se evidenciando (aumentando?) em número e influência, tanto na vida real quanto na literatura, desde D. H. Lawrence até Nick Hornby, e não dão sinal de estar diminuindo...


b) Emma Jung em 1931: “ANIMUS E ANIMA

Enquanto Martha Freud encerou muito chão, cozinhou, lavou, costurou e passou para o marido, enquanto este desvendava o inconsciente e mudava o Ser Humano e o Mundo, Emma se tornou tão Psicanalista quanto Carl Gustav.

O tema dos arquétipos, inclusive dos arquétipos anima (núcleo endopsíquico que num resumo grosseiro permitiria aos seres nascidos com sexo masculino reencontrar o sentido da natureza e da sensibilidade) e animus (núcleo endopsíquico que permitiria aos seres nascidos com sexo feminino reencontrar o sentido da cultura/razão e da objetividade) foram traçados por ele, mas ela desenvolveu sobre eles este belíssimo texto.

Não esquecendo que o homem moderno (‘curta’ ele Freud, Jung, outros ou nenhum deles) não tem mais como viver sem levar em conta o inconsciente (sabe que nem tudo é sabido), Emma tece comentários interessantes sobre o escritor William Sharp, a partir da biografia que a esposa dele deixou escrita.

Este, ao escrever um de seus livros “Pharaïs”, percebeu o quanto o elemento feminino era predominante nele; optou por assiná-lo com o pseudônimo de ‘Fiona Mc Leod’, como continuou fazendo em vários outros livros seus, o que nem a maioria de seus amigos íntimos soube por um bom tempo.

Não satisfeito, escrevia para os leitores como se fosse ‘Fiona’.

Criou também um ritual pessoal: a cada aniversário seu, “trocava correspondência” com ‘Fiona’. Ele expressava gratidão à ‘ela’, que por sua vez ‘respondia lhe fazendo advertências’. Ele dizia que “só como mulher podia usar da sinceridade que seria impossível como William...


c) Margaret Mead em 1949: “Macho e Fêmea

No mesmo ano em que Simone de Beauvoir lançava seu Segundo Sexo, cuja afirmação mais famosa é ‘a mulher não nasce mulher; torna-se mulher’, Margaret escreve – sincronicamente – que ‘o homem não nasceu pai, mas para se qualificar como civilizado, o homem se torna pai’.

A sincronia ganha uma dimensão ainda maior a partir do momento em que lembrarmos que elas não mantiveram a menor comunicação enquanto elaboravam suas obras (estavam longe de dispor do twitter, inclusive...).

Segundo Margaret, A Paternidade é uma invenção cultural de grupos que buscavam evolução.

Evolução esta que veio como resposta a duas perguntas semi-conscientes inevitáveis ao processo civilizatório:

‘Em que consiste a singularidade do homem e o que se deve fazer para mantê-la?’ e ‘Que devo fazer para ser humano?’

O incesto precisava ser contornado, e se o homem deveria continuar a ser um pai que sustentasse a família, ele deveria nutrir, e não competir com os filhos, o que de fato ‘ o civiliza’, trazendo benefícios visíveis para a comunidade (aí sim) humana.

Ela acrescenta uma piada comum à tradição oral de muitas culturas sob formas semelhantes: ‘Se você se casasse com sua irmã, não teria um cunhado para ir caçar, passear e pescar com você’...

Ao lançar uma nova edição em 1967, Margaret escreveu um prefácio avançadíssimo, onde previa o homem que tenderia a ser atraído para as funções domésticas (autonomia como sinal de novos passos civilizatórios), a mulher que tenderia para o mundo do trabalho (idem), e que ambos seriam atraídos para um individualismo do qual a real singularidade poderia emergir, aparecer (idem-idem): ‘Somos primeiros pessoas, e depois seres sexuais’ (aqui, Margaret Mead já em 1967).


d) Joseph Campbell em 1949: “O Herói de Mil Faces

Ainda em 1949, esse livro reúne as semelhanças da múltipla face do mito (ou arquétipo) do herói em diferentes heranças culturais.

Segundo Campbell, o núcleo que há em comum na estrutura do conceito do herói (buscado nos relatos sobre vários heróis ficcionais ou não) é ‘o triunfo do herói é sobre si mesmo’.

Sem exatamente negar ou excluir o papel da heroína, prioriza os exemplos do herói, como prevê o título, o que - para quem estuda masculinidades como eu - é excelente.

Mas não deixa de ser curioso, pois – além das heroínas bíblicas e mitológicas - a estória escrita mais antiga do mundo já encontrada fala de uma heroína (Innana, da Suméria), e não de um herói; quanto a Campbell não esqueçamos que as tabuinhas de Innana só foram descobertas nos anos 60.

Mesmo assim, já se conhecia estórias de peso exemplar, como as de Isis, Lilith, Maria...


e) Anos 50: ‘As pesquisas sobre Sexo que apontaram o Gênero’


Não é possível falar dessas pesquisas sem fazer menção prévia aos que prepararam o terreno para elas.

No século 19, novos conceitos sobre superpopulação, psicopatologia sexual e degeneração deflagraram o conceito de ‘sexualidade’. Foram intensificados os esforços, em muitas frentes, para que se tivesse maior consistência e profundidade nos assuntos envolvidos, que – uma vez semeados – mostraram ser muito mais complexos. Pipocaram pesquisas biológicas, médicas, históricas e antropológicas, das quais podemos selecionar nomes para quem queira pesquisar melhor: Von Baer, Darwin, Mendel, Kaan, Morel, Magnan, Charcot, Westphal, Burton, Morgan, Mantegazza, Westermarck, Krafft-Ebing, Schrenck-Notzing.

Comentemos dois deles por sua importância.


Heinrich Kaan: (Russo, Médico do Tzar) Publicou em 1844 "Psicopatologias Sexuais". No seu trabalho, reinterpretava os pecados sexuais cristãos como doenças mentais, pois até então desvios, aberrações e perversões eram interpretados teologicamente, como expressões de heresias religiosas.

Foi necessário seu trabalho para que tudo isso fosse conduzido ao universo médico.


Richard Von Krafft-Ebing: (Psiquiatra alemão) Introduziu em sua obra os conceitos de sadismo, masoquismo e fetichismo no estudo do comportamento sexual. Sua obra foi outra "Psicopatologias sexuais", em 1886. Tornou-se professor de psiquiatria na Universidade de Estrasburgo.


Finalmente, na virada para o século 20 os trabalhos de Iwan Bloch, Havelock Ellis, e Sigmund Freud estabeleceram de vez o respeito à investigação das questões sexuais, e legitimaram seu território de direito na investigação humana.


Iwan Bloch: (Dermatologista alemão) Acabou sendo o primeiro a ser chamado de sexologista.

Descobriu o manuscrito Os 120 dias de Sodoma do Marquês de Sade, que se julgava perdido, e o publicou dando a si mesmo como editor o pseudônimo de Eugene Düren, em 1904.

Com Magnus Hirschfeld e Albert Eulenburg, propôs um novo conceito para a ciência: a Sexologia. Em 1906 escreveu em nome disso "A vida sexual nos nossos tempos", uma espécie de enciclopédia que se julgava completa, descrevendo o que já se tinha sobre as ciências sexuais, e suas conexões com a civilização moderna.


Henry Havelock Ellis, Psicólogo e pesquisador inglês, foi um pioneiro na modernização da abordagem científica moderna sobre o sexo.

Sua maior obra foi "Estudos da psicologia do Sexo", em sete volumes, mas até 1935 seu trabalho permaneceu legalmente disponível apenas para médicos.

Ficou conhecido também como líder dos Direitos das Mulheres para a educação sexual, embora em sua autobiografia (1939) deixe claro que era infeliz em sua própria vida íntima.

Seu trabalho explorava especialmente aspectos biológicos e multiculturais.


Sobre Freud basta lembrar mais uma vez que mudou o ser humano e o Mundo; sobre os que o seguiram deveríamos ler / reler mais; é feio falar do que não se conhece! (E como se fala mal desse homem sem tê-lo lido). Poderíamos também examinar melhor os seus seguidores menos famosos e mais consistentes, que acrescentaram saberes significativos à sua marcante fagulha inicial.


Os 50 vão chegando...


Alfred Kinsey: (Entomologista e zoólogo norte-americano) Fundava já em 1947, na Universidade de Indiana, o Instituto de Pesquisa sobre Sexo, hoje chamado de Instituto Kinsey para Pesquisa sobre Sexo, Gênero e Reprodução.

Suas pesquisas sobre a sexualidade humana influenciaram profundamente os valores sociais e culturais dos Estados Unidos, principalmente na década de 60, com o início da chamada ”revolução sexual”. Ainda hoje, suas obras são consideradas fundamentais para o entendimento da diversidade sexual humana.


William Master (Médico) e Virginia E. Johnson (Psicóloga) começaram seu trabalho em 1957 no Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade de Washington em St. Louis USA. Deram continuidade à sua pesquisa independente e não remunerada numa instituição fundada por eles mesmos ainda em St. Louis, já em 1964, a Fundação de Pesquisa de Biologia e Reprodução, chamada desde 1978 de ‘Instituto Masters & Johnson’.


50 Finalmente: semeada a maior guinada para a modernidade, (melhor desenvolvida a partir dos 60), que continua em debate (cada vez mais ágil) nos nossos dias, e determinou o estudo específico das Masculinidades (a partir dos debates sobre gênero), envolvendo muitos profissionais. Citarei dois que merecem destaque, para ‘o bem’ e para ‘o não tão bom’.


John Money e Robert Stoller recebem, na literatura médica (e de gênero), o justo crédito de terem sido os primeiros a falar em Identidade de Gênero, adotando assumidamente a proposta de Simone de Beauvoir, mas fornecendo a ela o caráter cientifico que a proposta precisava para ampliar seu universo na Cultura.

Ambos desenvolveram, para sustentar suas teorizações, muitas pesquisas com grandes amostras comparativas de hermafroditas, transexuais, malformações, e acidentados nos genitais.

Ambos se envolveram em polêmicas que viraram casos famosos, e por pouco ‘os bebês não foram jogados fora com a água da bacia’; sim: com todas as polêmicas, eram estudiosos sérios, levantaram e deixaram farto material inédito, inovador e produtivo.


John Money (neozelandês Psicólogo e sexólogo), se envolveu no caso dos dois gêmeos que acabaram se suicidando reproduzido num episódio da série ‘Low and Order SVU’.

Um deles tinha sido mal-sucedido na circuncisão, e Money concordou com os pais que a melhor solução era ‘transformá-lo’ em menina, por cirurgia e tratamento hormonal; mas os meninos já tinham um ano e meio quando isso aconteceu, e – como se sabe hoje – sua orientação para a masculinidade heterossexual já estava formada.

O menino ‘virou menina’ sob a orientação de Money, mas decidiu (assim que pôde reverter autonomamente a situação) que era mesmo um menino, apesar do acidente, e fez o tratamento oposto. Anos depois, casado, ao receber da esposa a notícia de que ela queria se separar, suicidou-se; seu irmão fez o mesmo dois anos depois; no mesmo ano Money morreu.

Apesar desse polêmico equívoco, seus trabalhos teóricos sobre identidade sexual, identidade de gênero e papel social de gênero colaboraram de fato para tudo que debatemos hoje: não só a questão de o corpo do outro (e a Vida do outro) não ser(em) mera ‘massinha de modelar’, mas também questões das Masculinidades.


Robert Stoller , (Norte-americano Médico pediatra e psicanalista), se deixou enganar por um cliente que lhe pareceu um caso de intersexualidade; na verdade o rapaz já tomava hormônios que roubava da mãe desde os 12 anos de idade e não o revelou nas entrevistas; era um transexual e Stoller só o descobriu muito depois.

De qualquer maneira foi graças a esse caso que coube a Stoller com sua equipe realizar a primeira cirurgia legal para mudança de sexo em 1959.

Mais consistente foi sua pesquisa prático-teórica, que conduziu também ao que mantemos hoje na pauta das questões de gênero e das Masculinidades:

1- os aspectos biológicos / hormonais / corporais, que deveriam ser indissolúveis da...

2-...avaliação sobre o olhar lançado pelo Mundo sobre os bebês (questionando se a família e os demais que o recebem ao nascer olham-no como homem, como mulher, ou simplesmente como um ser livre para escolher), que por sua vez deveriam ser indissolúveis da...

3- ...avaliação de como se desenvolveu a história cultural / social / afetiva de cada um deles nos anos seguintes.

Minimamente seria o conjunto orgânico e vivo desses dados que poderia começar a desenhar o que poderia vir a ser a identidade de gênero de alguém.


f) Anos 60 / Revolução Sexual / Feminismo / Pílula popularizada / Direitos Civis / Flower and Power / Paz e Amor / Ecologia / Indústria Cultural / Mercado com poder Político


Como seria possível passar por esses fenômenos sem o gênero pontuar como assunto inesgotável em todas as rodas?

Livros e mais livros foram publicados, com destaque não só para os feministas ("A Mística Feminina" de Betty Friedan, por exemplo), mas especialmente para toda a produção acadêmica, que exibia a diferença que fazia o fato das universidades terem triplicado desde os anos 50 o número de alunas e professoras (mulheres).

Várias pesquisas começaram a ser refeitas; dados de paleontologia, arqueologia, antropologia, sociologia, psicologia e psicanálise ganharam rumos jamais imaginados até então.

Um exemplo (que beira a piada) basta para compreender esses rumos inéditos: sinais rupestres que até os anos 60 tinham sido interpretados como listas de caça, foram finalmente compreendidos (por pesquisadoras mulheres, claro) como evidentes calendários menstruais...

O Mercado descobre: estes livros VENDEM BEM, especialmente se editados para uma linguagem acessível, popular...

Reproduzindo tanto a tagarelice feminina, quanto o tradicional silêncio masculino, até aqui predominam os livros de mulheres, e/ou para mulheres, sobre mulheres e ‘feminices’.


g) Anos 70 / Psicodelismo redescobre a Espiritualidade / Testando limites e proibindo proibir / Academia descobre o HOMEM e as MASCULINIDADES / Mercado descobre os Relatórios (semente dos abomináveis manuais de hoje) / Conexão entre VIDA ÍNTIMA e VIDA PÚBLICA é politica-economicamente redescoberta e assumida como evidência


Respeito os "Relatórios Hite", e não só porque um deles foi ousadamente direcionado a uma respeitável amostra masculina, mas também pela qualidade das avaliações de Shere Hite, reiteradas pela qualidade de seus textos posteriores, que – infelizmente – não mereceram a mesma atenção do Mercado.


A Academia define o Ser Nascido com Sexo Masculino como uma QUESTÃO: nos Estados Unidos é criada a cadeira ‘Men’s Studies’, e Masculinidades ganha seu justo (e prudente) ‘s’.

Entre tudo que é aí feito e encaminhado para publicação, três merecem destaque.


A Psicóloga Carol Gilligan convence em 1972 seu professor Laurence Kohlberg a refazer a pesquisa dele de 1958 sobre a moralidade em crianças e púberes, cujo original afirmava que só meninos tinham noção de moralidade, e mostra, com cumplicidade e aprovação dele, como o título de seu livro publicado em 82, que há apenas "Vozes Diferentes". É: a Academia nunca mais foi a mesma com as mulheres lá...


Em 1972 o Psicanalista argentino Arnaldo Rascovsky lança o comovente livro "El Filicídio", que aponta a verticalidade implacável do falicismo ávido de poder, o patriarcalismo e o patrimonialismo como responsáveis não por individuais perfis patológicos e criminosos, mas por todo o (surdo?) subterrâneo comportamento coletivo planetário filicida em relação a seus descendentes, sob um sinistro pacto coletivo de silêncio.


A alemã nascida na argentina Esther Vilar publica também em 1972 o polêmico (e com muitos equívocos) "O Macho Domado", que - com todos os caminhos tortos que segue – levanta já uma questão consistente e contemporânea: reivindica autonomia, mais REAL que ‘encenada’, para os seres nascidos com sexo masculino.

Nessa questão, concordei, como muitos outros autores, com ela.


h) Anos 80 : livros ‘descolam’ das questões das mulheres para abranger cada vez mais as questões dos homens; junguianos dão os braços para freudianos, com muita elegância e benefício para todos


Em 1980 a Psicóloga junguiana Jean Shinoda Bolen, após seus primeiros livros que focavam as questões de gênero, as mulheres, as crianças, e a ecologia, lança "Os Deuses e os homens"; junguianos desenvolvem seu trabalho somando a ele questões até então ditas freudianas, cada vez mais e melhor.


Em 1981 a Jornalista Collette Dowling surpreende com o best-seller (alegria do Mercado!) "Complexo de Cinderela". Pesquisa pertinente, muito interessante e muito bem escrita, que traz um enorme benefício embutido: sua leitura induz milhares de leitores a aprofundarem mais seu pensamento sobre as questões de gênero, e – curiosamente - a lerem muito mais livros elaborados a partir de pesquisas da Academia (como o de Carol Gilligan, por exemplo).


O Psicólogo Dan Kiley lança em seu rastro "O Complexo de Peter Pan" em 1983, cujo maior mérito é assinalar a frase da personagem: ‘Viver SERIA uma aventura incrível’, confirmando a ausência de qualidade real do cotidiano masculino, tão (supostamente) cheio de poder. Em 1987 ele lança (o oportunista?) "O que fazer se ele não quiser mudar", infelizmente já nos moldes de nossos apavorantemente fake ‘manuais’, que continuam proliferando por aí.


A Antropóloga Helen Fisher publica em 1982 "O contrato sexual", após uma pesquisa paleoantropológica, já com recursos muito mais avançados que aqueles que Margaret Mead dispunha em 49, apontando quantas atividades em roda (e olhos nos olhos) as mulheres tiveram em sua evolução, enquanto os homens tiveram outras tantas atividades que os levavam a se dispor uns ao lado dos outros, e todos olhando para frente ou para o horizonte no mesmo período de tempo. Compara de maneira muito pertinente o quanto herdamos disso. Publica mais tarde (2000) um texto chamado "Sexo Milenar", no qual aponta a partir de sua pesquisa sobre o passado um plausível futuro, no qual a liberdade sexual mútua e o diálogo ampliado entre gêneros se tornariam otimistamente inevitáveis (acompanhando, aí, a visionária Margaret Mead).


Acrescente-se que o "Uma voz diferente" de Carol Gilligan, publicado finalmente em 1982, já pontua a salutar ponte (inevitável?) em desenvolvimento entre o diálogo na Esfera Íntima e os diálogos na Esfera Pública, que até hoje está em debate.


Um marco é a publicação de "Pai Ausente, Filho Carente" (no Brasil o livro só chega em 1990!) do Psicólogo canadense Gui Corneau, que mundializa a questão com o sucesso de seu livro centrado na relação pai-homem / filho (especialmente o filho-homem), e no silêncio masculino. Comenta que freqüentemente era entrevistado pelos veículos de comunicação sobre casos que apontavam alguma patologia; muitos repórteres lhe perguntavam sobre criminosos “-Que espécie de mãe ele teria?”, e Gui teria se sentido obrigado a devolver a pergunta “-E porque não que espécie de pai ele teria?”.

Acha bizarra a defesa do “Nome-do-Pai” lacaniano, segundo o qual seria a (geralmente distante) figura paterna, e a presença simbólica do Falo, que introduziriam a criança na Linguagem . Chama a atenção para a “conversa” constante e eloquente que acontece entre as mães e os bebês, e para o fato da FALA estar na verdade no conjunto corporal-afetivo, no toque-verbalização (que as mães não costumam economizar); comenta o quanto são (ainda!) pobres tanto o toque quanto a fala entre pais-homens e seus bebês.

Aponta a perpetuação dos descendentes desses pais “adestrados” inconscientemente por seus próprios pais - (há séculos!) - a se tornarem recorrentes pais omissos, si lentes (no verbo e no toque) de suas subjetividades / intimidades.

Num desenho nitidamente ético/estético, embora aparentemente não tenha percebido isso, propõe a potência, a “tomada das rédeas” da assertividade na (re) construção da subjetividade nos sujeitos de sexo masculino, através do especial cuidado com a reflexidade: driblar a instabilidade/fragilidade masculina contemporânea (conflitos de identidade e quanto os papéis do masculino, por exemplo), com reflexão individual e coletiva freqüente, e apuro nas novas (e melhores) escolhas e ações.

Tão avançado é esse livro (feito para ser simples e acessível pelo público comum, o que prova que popular não é sinônimo de populista), que o conjunto da psicanálise vigente ainda não o acompanhou como poderia...


Nossa brasileiríssima Rosiska Darcy, que continuou pensando e trazendo novas perguntas, lança “O Elogio da Diferença” (1985), que aponta uma nova ótica que emerge no debate das questões de gênero: as possíveis vantagens (inclusive estilísticas) de mulheres e homens serem diferentes; falando dele na TV lembra uma plausível imagem doméstica: num sítio, ao faltar luz, os homens imediatamente perguntariam –“Onde estão os lampiões?”, enquanto as mulheres imediatamente perguntariam –“Onde estão as crianças?”, onde pluralidades (inclusive Políticas) estariam plenamente acolhidas.

Hoje, ela é um dos autores (como Maria Rita Kehl, eu e outros) que dizem que Homens e Mulheres (etc.) poderiam se unir para pleitear a questão do TEMPO; pleitear o debate sobre a urgência do indivíduo se re-empoderar do direito (óbvio) ao investimento singular de seu (nosso exíguo) TEMPO DE VIDA.


Em 1989, ainda Brasil, a Psicóloga Halina Grimberg lança o “Homem não presta e outras mentiras”: aponta a colaboração das mulheres na escrita da História por tanto tempo oculta na intimidade dos lares e das supostas ‘fofocas’, e adianta um tema que se mantém no debate hoje, que é a sensação de que o homem anda se sentindo ‘sem função’ a partir dos passos largos que a mulher deu na direção de sua própria autonomia pessoal, sexual, profissional...


i) Anos 90: impossível voltar atrás uma vez levantado a fímbria do véu sobre a questão das masculinidades, e da rede de assuntos tocado por ela; consciência de que nossa descendência pode depender da manutenção desse debate:


Sintomaticamente poeta, Robert Bly provoca mais um marco nessa história, com seu livro de 1990 “João de Ferro; um livro sobre homens”. É a partir dele que se multiplicam os Grupos de Reflexão de Homens (gerados por Gui Corneau), mas agora com uma nova característica: a retomada com o contato com a Natureza.

Segundo Bly, que parte de um conto de fadas para desenvolver seu texto, um homem que tem um bom mentor (na figura de seu pai, ou de um substituto homem, ou um psicoterapeuta no futuro), não ‘paraliza’ nem no ‘ingênuo’ nem no ‘valentão’. Torna-se centrado em seu mundo emocional. Pode ser vigoroso, mas se torna um legítimo protetor, e se tornará um novo mentor, passando a perpetuar uma figura ainda indiscutivelmente masculina, mas com universo emocional atuante, que desenvolverá um plausível perfil de um acolhimento masculino com características próprias, e não imitativo do feminino.


Enquanto isso, 1990 no Brasil, o Psicólogo Marcos Ribeiro nos presenteia com um livro (supostamente) para o público infantil: “Menino brinca de boneca?”. Pelo tema, também um marco, que não foi reconhecido como merecia: se meninos não brincam de boneca (de ser pai), como esperar que elaborem essa futura possibilidade em suas vidas?... E não brincam / elaboram porque CONTINUAM sendo impedidos de fazê-lo, francamente desestimulados de fazê-lo, ainda agora, em 2009!...


1990 também é o ano do livro “Um é o Outro” de Elizabeth Badinter, que retoma em seu tempo temas “adiantados” por Margaret Mead: maior solidariedade cotidiana entre mulheres e homens reduziria a solidão (inclusive existencial) de ambos. Aponta a estilística andrógina que se populariza como um sinal disso, e pergunta se a androginia seria um passo ainda mais concreto para os gêneros, no futuro.

Como eu, ela mesma parece acabar discordando dessa possibilidade, pois em 1992 lança o espetacular “XY – Sobre a Identidade Masculina”.

A partir de uma profunda pesquisa, pergunta como é possível que um suposto complexo identitário (no caso o masculino) seja construído a partir de uma mera negação: ‘Ser um homem é não ser uma mulher’. Vê no futuro do homem possibilidades dele se reconciliar consigo mesmo, com um universo emocional de fato “empodeirado” (como um território sobre o qual ele de fato se sentisse autorizado e desejoso de tomar o poder) e autônomo.


O Psicólogo norte americano John Gray, em 1992 faz grande sucesso com “Homens são de Marte, Mulheres são de Vênus”. Embora siga o abominável estilo dos manuais de aconselhamento (que não deveriam ser vendidos sequer em feiras), levanta questões pertinentes, sem dúvida com louvável bom humor, como por exemplo a tendência masculina de optar por se recolher (ao seu tradicional silêncio) no que ele chama de “sua caverninha”, recomendando às mulheres que aceitem esses ‘momentos-caverninha’ a seus parceiros, pois a elaboração de complexos emocionais no homem dependeria disso, como na mulher dependeria do compartilhamento emocional com as amigas. Recomenda também que mulheres não tenham medo de ser objetivas ao se comunicar com os homens, pois a fala objetiva lhes é muito mais familiar.

Embora divertido, planta aí, me parece (até porque seu sucesso se mantém há anos elevado), uma ótica perigosamente dúbia frente a questão das Masculinidades, que vejo ainda freqüentemente: ao Homem não caberia reflexão alguma, novo movimento algum; o Mundo, a Mulher, os GLBT que “se virem” com “aquilo ali mesmo”. Só fica faltando complementar e dizer: “Eles são assim mesmo, incapazes de refletir sobre eles, e de novas e autônomas ações ou pensamentos, não têm jeito, coitadinhos”.

Ainda hoje vejo muitos colegas arriscando a caminhar nesse gelo finíssimo, dúbio, cético, desvalorizador das capacidades autônomas masculinas ou do Homem, e ...cinicamente preguiçoso.


Também em 1992, o inglês Anthony Guiddens publica “A transformação da Intimidade”, que inevitavelmente falará das ‘novas’ dificuldades dos homens frente as ‘novas’ mulheres, e delas mesmas em relação a si mesmas e no relacionamento com homens. Foca na questão social, a partir da clareza de que vida íntima também é política, de que o eloqüente e auto evidente diálogo entre o MICRO (Esfera Íntima) e o MACRO (Esfera Pública) ‘está posto’, fazendo lembrar a frase de Herbert Daniel: “Não há democracia se ela pára na porta da fábrica ou na beira da cama”.


Ainda em 1992, o Psicodramaticista paulistano Luiz Cuschnir lança “Masculino/Feminina”, e logo em seguida, em 1993, “Homem – pedaço adolescente / Adolescente pedaço homem”. Curiosamente seguidor de Moreno (o criador do Sociodrama e do Psicodrama, que trabalhava inclusive nas ruas, e com qualquer público que se imaginar), os dois bons livros apresentam uma amostra focada numa única classe social (a dos muito ricos), o que rouba dos exemplos apresentados sua devida universalidade.


1993 é também o ano da publicação do excelente “O Mito da Masculinidade” do Psicólogo da PUC RJ Sócrates Nolasco. Mais um autor tipicamente ‘pós-Gui Corneau’, pontua por exemplo, através de suas próprias pesquisas realizadas entre 1984 / 1986, também (inevitável?) o vínculo do universo íntimo com o universo público. O menino, a partir da experiência endopsíquica da castração, é alimentado por fantasias de onipotência e senhorilidade; assim, quando aparecem os “pais-do-povo”, os “pais-da-pátria”, os ditadores, os tiranos, homens seriam perigosa e facilmente seduzidos, a partir dessa ‘marca’.


Em 1994 o Psicanalista e Rabino Howard Eilberg-Schwartz nos dá de presente o belíssimo “O Falo de Deus”; falo este que nunca é ‘visto’, e – pergunta o próprio Rabino – Existe?

Falo/Deus Masculino que Imporia um modelo (e exigiria correspondência dele) de suposta perfeição inatingível para o homem.

Assim, esse modelo seria ainda mais prejudicial, contraproducente, para o universo masculino que para o feminino (como expõem várias autoras mulheres, inclusive brilhantemente a brasileira Irmã Ivone Gebara em seus vários belos livros).

Propõe o Rabino a existência de uma “face feminina de Deus” que apareceria na ‘Shequiná’, a ‘Sarça Ardente’ (visível, por exemplo, no Sinai), mais acolhedora para todos que o impiedoso Javé. (Quem se interessar por esse livro e por esse tema, poderá ler também “Jesus e Javé- os nomes divinos” de Harold Bloom, não exatamente sobre masculinidades).

Acrescente-se que uma Rabina, Léa Nowik, desenvolve um trabalho prático-reflexivo de identidade feminina com mulheres a partir, também, da imagem da ‘Shequiná’.

O Rabino assume – também – a evidência da existência da histeria masculina, através de textos do próprio Freud.


No mesmo 1994 (com direito a reedição e novos palestrantes em 1995), organizo (eu mesma!) no Centro de Ciências Sociais da UERJ o evento “Homem e Mulher: As duas faces d’ deus(a)”, cujas palestras foram redigidas (nas duas ocasiões) e reunidas para um livro, que não é publicado, infelizmente, por problemas na administração da Universidade. Os textos continuam comigo...


1994 é também o ano do evento “Homem e Mulher – Uma relação em mudança”, no CCBB, organizado por Maria Helena Khüner e Celina Albornoz, cujas palestras foram transformadas em livro, felizmente.


Também em 1995 Sócrates desenvolve na PUC RJ o evento (com livro posterior) “A Desconstrução do Masculino”.


1996 é o ano do livro “A Mínima Diferença” da brilhante Psicanalista Maria Rita Kehl, que transita pelo tema da relação entre gêneros (e questionamentos para ambos) munida de sua tradicional familiaridade com a Arte e a Cultura (ética e estética devidamente trançadas como gosto tanto e confio melhor).


Na mesma linha evento-livro, na Associação Junguiana do Brasil, o Psicanalista Walter Boechat organiza em

1997 “O Masculino em Questão”; ele, outro assumido ‘pós-Gui-Corneau’, lembra (especialmente aos colegas de profissão) que – no mito edípico – há em pauta um caso de FILICÍDIO antes de haver o de parricídio, já que Laio envia o bebê Édipo para a morte por temor de ser destronado; tudo o mais é conseqüência desse ato.


1998 fecha de maneira constrangedora o ciclo dos anos 90, se levarmos em conta que o incensado Pierre Bourdieu publica o confuso “A Dominação Masculina”, de um universalismo duvidoso, que – ridiculamente – parece ignorar as pesquisadoras mulheres, entre outros arranhões ao seu suposto ‘inquestionável’ (?) ‘brilhantismo’.

Mantendo ao longo do livro seu pessimismo habitual, aparenta surpreendente ‘ignorância de conveniência’ (para manipular suas colocações?).

Afirma que “...não há mitos sobre a hierarquia sexual...”.

É possível imaginar que esse senhor, ‘tão inquestionavelmente sapiente’, diante da responsabilidade de escrever ESTE livro, pudesse ‘esquecer ou se manter ignorante’ dos mitos de Inanna, de Lilith, de Isis, o panteão invertido do Japão ancestral (Sol é deusa, e Lua é deus), da virgindade de Maria, etc...?

Esse meu olhar crítico não é só meu; é endossado por exemplo pela respeitadíssima Maria Luiza Heilborn, do IMS da UERJ...


j) 2000 NO AR! Pequenas / Médias / Grandes alterações de rota para as Masculinidades?


A Psicanalista e Doutora em Sociologia da UFMG, Marlise Matos, uma ousada estudiosa das Masculinidades, não consegue (não conseguiu até hoje, para nosso ‘azar’) publicar uma pesquisa específica sobre o assunto (que desenvolveu, e tive o privilágio de ler), que certamente seria aplaudida por qualquer outro país com um mínimo de responsabilidade pelo debate estudioso.

Mas, consegue (para nossa sorte), já em 2000, através de um merecido prêmio, lançar “Reinvenções do Vínculo Amoroso”, sobre as novas propostas para esse vínculo: casamentos abertos, casamentos a três, casamentos homoafetivos, etc.

Inevitavelmente as masculinidades são abordadas, apontando, por exemplo, o falicismo reinante, inclusive contraproducentemente no pensamento psicanalítico de muitos colegas nossos, pensamento que nega a assertividade dos genitais femininos e seu significado, parecendo ‘aceitar’ que eles (e seu significado) seriam meramente ‘passivos, receptivos’...


Ainda em 2000, a Psicanalista neozelandesa Juliet Mitchell, feminista por muitos anos, e que já afirmou que “...chega de debater Mulher, Homem...Agora é hora de nos preocuparmos com nossas Crianças!...”, publica “Loucos e Medusas”, onde sacode a psicanálise com a proposta de que ela (a psicanálise) se desenvolveu partindo da premissa que bastaria o olhar às relações verticais(Pais ou equivalentes e filhos, por exemplo).

Para Juliet, as horizontais (irmãos e equivalentes) seriam tão importantes quanto às verticais, e que é urgente que a psicanálise o assuma. Paralelamente a isso, especialmente dedicada ao olhar das características dessas relações (os ciúmes, por exemplo), retoma com brilhantismo a questão da histeria masculina, também apoiada por textos do próprio Freud.


Em 2001 um curioso livro popular (mas muito bem escrito) acompanha não só os desdobramentos da ‘Nova Era’ e religiosidades emergentes, mas também o eco do debate das masculinidades: “WICCA para Homens”, de A.J. Drew: “...Para causar mudanças externas é preciso primeiro identificar o que se quer mudar...Se cresceu numa sociedade que prega o não-envolvimento, sinto muito. Isso não justifica suas omissões...” Modesto, divertido, mas pertinente.


Já o Professor de Ciências Políticas de Harvard Harvey C. Mansfield, (talvez amigo do ex-reitor Larry Sommers que afirmou publicamente acreditar que mulheres são naturalmente menos preparadas para a Ciência), publica em 2004 “Masculinidades”, que não apresenta exatamente a profundidade que se espera emergir do meio acadêmico.

Sua definição de Masculinidades é “Ter confiança em situações de risco.

Se fosse simples assim, ninguém seria mais masculino(a) que uma gestante que aguarda o dia do parto...

Faz afirmações que beiram o bizarro, tais como “A tecnologia é uma qualidade da alma...Certas coisas não mudam, como os porteiros de New York...Força física define muitas coisas...Nada em minha carreira dependeu de força física, mas minha relação com as mulheres, sim; muitas vezes quem teve que mudar o lugar dos móveis em casa fui eu...” E por aí vai.

Seriam os homens (para ele, claro) meros macacos hidráulicos dispostos à riscos?...


A Associação Psicanalítica de Porto Alegre faz bonito com seu “Masculinidades em Crise” (fruto de evento-livro) de 2005, do qual podemos destacar o texto do Psicanalista Edson Luiz André de Souza (que propõe o investimento num mergulho individual, especialmente masculino, na imaginação, como busca de saída para a crise), e – claro – o texto da Psicanalista Maria Rita Kehl (que aponta uma crise por ‘deslocamentos de lugar’ no imaginário masculino, e ressentimentos ainda não suficientemente elaborados decorrentes desses deslocamentos).


Não posso encerrar sem lembrar que “Por que não um carrinho?” de Flavio de Souza foi lançado para o público infantil em 2009, retomando – bem enquadrado na atualidade – o tema lançado (talvez precocemente há 19 anos) pelo Psicólogo Marcos Ribeiro, “Menino brinca de Boneca?


Impossível não reparar que OS DOIS LIVROS TÊM PERGUNTAS EM SEUS TÍTULOS...

Estaria esta geração legando apenas perguntas para seus descendentes?

Sou particularmente suspeita para avaliá-lo, pois, se a resposta for SIM, verei nisso um ótimo presente (um 'VIVA' às PERGUNTAS!), que fugirá de quaisquer perniciosos discursos supostamente verdadeiros; respostas tendem a ser preciptadas ou a ficarem engessadas...


Posso não ter citado TODOS. Mas acredito que os que citei serão um bom caminho para quem mais se apaixonar pelo tema...



2. PARA QUEM CHEGOU AO BLOG AGORA: PORQUE ESCREVI ISSO


Gênero - logo‘Masculinidades’ – é (são) ‘tema(s)-em-rede’.


Talvez por isso a própria construção da identidade de meu trabalho tenha se dado igualmente através de um idiossincrático enredamento temático multidisciplinar, e de experiências concretas igualmente multifacetadas:


- O encantamento pelo prazer-poder da leitura, da Arte, na infância e na adolescência;


- A opção na juventude pela interferência política através da Psicologia, do Feminismo (as questões de Gênero como foco nas questões sociais) e da Arte;


- A surpresa, ao desenvolver um trabalho experimental de Teatro do Oprimido (na Faculdade Cândido Mendes, após sucesso em alguns Sindicatos), que abordava (em nome do Feminismo da celebração de um ‘8 de Março’) a relação Mulher-Homem: a atuação do ator Buza Ferraz (cuja personagem se recusava a cumprir um papel masculino convencional) me mostrou que mulheres ao menos estavam falando de suas questões, mas OS HOMENS AINDA NÃO (só o avançado Buza, e sua personagem irreal e idealizada para a época, claro...).

Logo, eu podia mudar o rumo de minhas preocupações e atuações profissionais para onde ela se exibia mais necessária / útil...


- O aprendizado inesgotável através das experiências profissionais (paralelas ao atendimento no consultório) com grupos diversos:

. Trabalhos sobre Identidade (inclusive de Gênero) com grupos em empresas;

. Encontros que fui convidada a desenvolver na UERJ especificamente sobre Gênero;

. Trabalhos sobre Identidade (inclusive de Gênero) com grupos para ONGs e Escolas;

. Grupos autônomos (professores de uma cidade do RJ, por exemplo) que me

convidaram para trabalhar Identidade com eles (inclusive de Gênero);

. O Projeto Dramaturgia do SESC Nacional (que permitia uma abordagem de seus

objetivos através de questões de Identidade, inclusive de Gênero), etc;


- A oportunidade de desenvolver uma pesquisa orientada pela Dra. Marlise Matos (Psicanalista e Doutora em Sociologia especialista em questões de Gênero e Masculinidades) na Pós da PUC RJ;


- A experiência durante um pouco mais de um ano como coordenadora de uma ONG que acolhia e atendia especificamente 70 homens, desenvolvendo com eles individualmente nova pesquisa sobre ‘O que significa ser um homem’, encontros também coletivos para debatê-lo, e a criação do “7 de Março – Dia do Homem”, além de visitação sistemática de teatros e museus para trabalhar / debater a ética a partir da provocação estética. Vinham das ruas (na maioria), sendo alguns egressos do sistema penitenciário que ainda não tinham para onde ir; eles me deram várias aulas de Cultura, sofisticadíssimas...


- A oportunidade de reescrever meus textos da pesquisa orientada por Marlise nos textos do BLOG, sonhando com um futuro livro.


Apenas porque posso ganhar, neste texto aqui, leitores recén-chegados, faço um resumo de minhas modestas idéias centrais sobre as Masculinidades, que desenvolvo em todos os meus textos, sempre como questionamentos.

Quem deveria / poderia se preocupar em “respondê-las” é o contingente masculino (e/ou humano) do Mundo em que vivemos...


a) As recentes e estarrecedoras estatísticas (referentes às letalidades, adoecimentos, aprisionamentos, acidentes, internamentos, criminalidade – todos direcionando os seus maiores e piores índices para os seres nascidos com o sexo masculino), reiteram a necessidade de se manter as MASCULINIDADES como uma QUESTÃO a ser refletida por todos nós.

Elas deveriam mesmo nos assombrar; e assombrar - com requinte - o próprio contingente masculino.

É do ASSOMBRO que vêm as melhores REFLEXÕES.

O preguiçoso senso comum se habituou a alardear a SUPERIORIDADE MASCULINA nas QUESTÕES DECISÓRIAS ao longo da história do planeta, associando fenômenos como a misoginia, o bélico patriarcalismo, e o patrimonialismo (e suas conseqüências: fetichismo, reificação, filicídio), como provas desse (indiscutível?) PODER.
Mas que PODER AUTOFÁGICO é esse que essas estatísticas exibem?

PARA QUE “TRIUNFO” serve, afinal, ao exibir seu poder (indiscutivelmente real), cujo preço é um implacável teor de SOFRIMENTO e LETALIDADE?

Só o SENSO CRÍTICO combate os equívocos do senso comum...

Em tempo: misóginas, patriarcais, patrimonialistas, fetichistas, reificantes e filicidas MUITAS mulheres também são! Mas...


b) ...Porque o HOMEM é a única categoria de gênero que não se organizou?

Estaria esta poderosa categoria “engambelada” pelo seu poder retórico e burocrático, como se estes poderes fossem suficientes, e seu preço "barato"?

Tão “engambelada” que se faz de cega diante das estatísticas já citadas que apontam a autofagia desse seu “poder”?

Diferente disso, Mulher é uma entidade já tão organizada, que a mera pronúncia dessa palavra é sinônimo planetário de um coletivo.

Idem-idem o grupo GLBT...

Até no Afeganistão há, há anos, uma ONG (a RAWA), para acolhimento das questões da Mulher, por exemplo. Como duvidar dessa poderosa capacitação para a organização? Porque o contingente masculino não aderiu a ela? A algum movimento semelhante?


c) Se parece tão inapto para a gerência da Esfera Íntima, é (está) de fato apto para a da Esfera Pública?

Mães também educam, mas seu limite começa na impossibilidade de ensinar aos SEUS MENINOS, O QUE SIGNIFICA NASCER HOMEM, o que isso é, e o que pode significar no enredamento inevitável das vidas íntima e pública (somos a mesma pessoa onde quer que estejamos pisando com nossos pés, afinal).

A sociedade parece ter se habituado a “aceitar como natural” os pais (de sexo masculino) ausentes (assim como Estadistas cinicamente ausentes, ou populistamente autoritários, e/ou comandantes do Mercado verticalmente também autoritários).

Ausentes desde a aparente 'impossibilidade' (?!) de ministrar essa lição única e intransferível (compulsória?) especialmente aos novos seres que vão nascendo com sexo masculino, quando só um ser da mesma forma nascido o poderia fazer com qualidade identitária.

Verticalmente autoritários desde a possibilidade de silenciosamente perpetuar com seus ‘exemplos’ (de exercício de silêncio, de ausência, de negligência, de vertical autoritarismo, de carência do exercício de alteridade, etc.) posicionamentos existenciais e comportamentos autofágicos e letais (para indivíduos e para a sociedade) a seus próprios meninos, a seus próprios descendentes.

Com freqüência vemos caracterizados casos de negligência eloquentemente mais graves, que beiram ou assumem mesmo caráter criminal. Pais-Homens que parecem ensinar um “PACTO DE SILÊNCIO CHEIO DE PERVERSIDADE” (per-versidade, no sentido de 'verter para fora do local adequado') a seus filhos (especialmente aos filhos homens).

Silêncio na sua própria e singular intralocução, na interlocução com seus iguais, e – conseqüentemente – na interlocução com as demais categorias de gênero: logo com a Sociedade, com a Esfera Pública.

Estaríamos numa sociedade igualmente pactuada com o silêncio, com a negligência, com o filicídio? Numa sociedade irresponsável diante de todos os seus descendentes, e curiosamente suicida?

Pois a manutenção desse fenômeno “assassinaria” a todos, metaforicamente ou não!

Hannah Arendt lembrava que somos como pais e mães de todos os nossos descendentes planetários, e que deveríamos então nos responsabilizar por todos eles...


Diz Marlise que essas minhas três questões assim colocadas são originais; mas... CLARO QUE EU NÃO “DESCOBRI A PÓLVORA”: o questionamento do contingente masculino vai sendo engendrado há alguns anos, e tem já uma História.

É o que tentei resumir aqui, neste texto-ensaio-de-capítulo, através do resumo da bibliografia sobre o assunto.

Cada livro (e os acontecimentos que o possam cercar) valerá(ão) como uma estória, no jogo-de-dominó da História das Masculinidades


Ilustração: Josef Albers - HOMAGE TO THE SQUARE - JOY (Jogo gráfico sobre a grande obra / estudo do autor, desenvolvida(o) entre os anos 40 e 70).

13 comentários:

Bia disse...

Minha querida!
Que bom que voltou!
Será um imenso prazer conhecê-la quando vier à Sampa!Me avise com antecedência, pois já estou lhe esperando!

Um beijo amoroso!!

Biazinha

Mr. Almost disse...

A identidade do masculino nunca será conhecida. Andam as gurias atrás disso há vinte e muitos séculos e ainda não descobriram nada.

Deita. Fica ao lado. Be friendly. Não faça dissecações, faça... isso, justamente o que está pensando.

Alexandre Kovacs disse...

Christina, parabéns pelo texto que extrapola o espaço tão limitado de um blog e obrigado por compartilhar com os amigos. Vou ler com muita calma, pois são referências importantíssimas!

Lunna disse...

Li, mas preciso ler novamente, algo está meio disperso em mim e ainda mais sendo o tema "o masculino" essa espécie de criatura mistificada por si mesmo e por todos aqueles que juram aprofundar-se no tema a fim de explicá-lo.
Pra mim o masculino é ainda mais complexo que o feminino pois não se exibe claramente...
Enfim, voltarei de madrugada para degustar com mais calma. Bjs

Solange Maia disse...

Christina,

Comecei ontem a ler teu texto... e confesso que depois de lê-lo bom mesmo seria uma longa conversa a respeito...

Gosto dessa sua "sabedoria"....

Beijo grandão !!!!

Você vem a Sampa ?

beijooooooo

Udi disse...

Bem, vi esse quadrado mágico lá no Venenos e vim correndo! Ainda bem que não estou tão atrasada assim (o post é de sábado). Mas a leitura ficará prá depois...

a resposta que deixei lá no Prozac ao seu comentário no post Caetano vs. Lula analfabeto:

Chris,
finally você cita alguém que eu já conhecia! ...e já gostava.
Mas a história da utopia dita pela Marina não me soou bem.
Adoreeeei o Comédia em Pé! Divertidíssima! Obrigada, viu?

Sammyra Santana disse...

O homem... este bicho estranho, misterioso, surpreendente e audacioso... o homem...

conduarte disse...

Chris, vir aqui é mergulhar num estudo, e por isso mesmo, preciso ler aos pouco pois sou meio burrinha e não asbsorvo tudo de uma bela vez. O assunto me encanta, vc sabe disso. Muito interessante.
Super beijo que bom te ver escrevendo novamente.
CON

Ricardo Duarte disse...

Christina,
Como você tem a audácia de dizer que não escreve tão bem como eu? Eu é que não escrevo tão bem como você. Que texto ótimo! Adorei as referências bibliográficas.

Tenho uma amiga apaixonada pelo mundo dos heróis que pretende se especializar nessa área comparando os heróis da antiguidade com os atuais. Vou recomendar a ela o livro do Joseph Campbell.

Que horror essa história do John Money: porque a cirurgia de circuncisão deu errado ele decide "transformar" o menino em menina?!

Interessante a ideia do olhar do outro formando meu eu: esse tema foi amplamente explorado pela literatura moderna, mas já aparecia na obra de ninguém menos que Machado de Assis - em Memórias Póstumas de Brás Cubas e num de seus melhores contos, O Espelho.

Você tem razão: as "mulheres ao menos est[ão] falando de suas questões, mas OS HOMENS AINDA NÃO". Deve ser por medo do que se pode descobrir. Como nos ensina Flaubert:

"Não se deve tocar nos ídolos: a douradura acaba ficando em nossas mãos."

Beijos
Ótima semana!

Fran disse...

Flor, desculpe a minha sumida por aqui.
Muito bom receber seu comentário lá no blog. Vim desejar toda sorte na sua viagem e na oficina :)

Beeijão!

Érica Martinez disse...

Cris, comecei com Simone de Beauvoir! Confesso que, apesar da facilidade do texto, tenho que ler umas duas vezes cada página, pois os pensamentos são como tranças, né? Mas estou gostando. Vamos ver se entendi algo: ela defende que é necessário assumir-se mulher para enfim lutar pela almejada "igualdade". Faz sentido?
Beijos!
(PS: sabe que uma outra pessoa relacionou-me à Beuvoir recentemente? Ai, que honra! rsrsr)

Érica Martinez disse...

PPS: e sob a visão "dela", pensar que os homens sempre (mais do que nós, até) dependem de nós, faz despertar-nos uma certa força...

Udi disse...

Chris!
Estou me deliciando com o Fred Astaire! Você não faz idéia!
Vem prá Sampa?
beeeijos saudosos