sexta-feira, 29 de janeiro de 2016




  PORQUE NÃO USO MAIS A NOMENCLATURA ‘MACHISMO’                   

  (Texto revisto e complementado em 2016)


Aboli a nomenclatura 'machismo' do meu dicionário (e da minha boca que fala e dedos que escrevem) a partir do momento em que cheguei à conclusão de que todo o "conjunto-da-obra" que nos habituamos a chamar assim estava longe de ser "privilégio torto" de MACHOS, como a nomenclatura induz a crer.

Sabemos que linguagem é poderosa, certo?...
E perigosa, na medida em que tende a perpetuar nosso olhar viciado.
Pelo vício impresso no nosso olhar sobre o Mundo, inclusive pela linguagem que adotamos, nos habituamos a tornar pré-conceitos “paralelepípedos-do-pensamento”, automatizamos nossas reações a eles, deixando de ampliar nossas reflexões, num suposto “confortável saber aparente”, e vivendo numa limitada, ilusória e maléfica “ilha-zona-de-conforto-do-Espírito”.
Aí é danado!... Há sequelas individuais, sociais, e elas atingem TODOS NÓS.

Isto é, comecei a ver o mesmo fenômeno assim designado (“machismo”?), ou – como prefiro dizer - a mesma estilística existencial assim designada, TAMBÉM no comportamento de bilhares de mulheres, assim como no comportamento de gente do grupo LGBTT*.

Por outro lado, cansei de ver muitos "machos" (???) adotarem (surpreendentemente?) uma linda (legítima, dura e boa) briga contra a própria preguiça de sumariamente obedecer à pressão de assim se comportar (de se comportar como “machistas”, o que boa parte da  sociedade pode até desaprovar, mas acolhe, porque compreende por mero hábito), correndo heroicamente o risco de serem considerados desviantes.

Aí, passei a considerar que a nomenclatura tinha se tornado no mínimo injusta, e - para o meu gosto - obsoleta.
Diria mesmo perigosa, pela indução linguística que afirma que ela vem necessariamente de "machos", o que é mentira e encobre inúmeros fenômenos comportamentais e relacionais.

Para dar apenas um exemplo do que fica encoberto, se nos dedicarmos a pensar em homens, precisaremos pensar necessariamente em Masculinidades, o que envolve, no mínimo, homens heterossexuais, homens homossexuais, e transhomens.
Basta isso para colorir a nomenclatura vigente com hipercomplexidade...

A cada mês (pelo menos) descubro que há outros(as) autores(as) pensando no mesmo assunto que eu, e escrevendo sobre ele; não sou a única.

Ainda não me dei a ousadia de arrumar uma nova nomenclatura, e por isso me dou ao trabalhão de substituí-la, falando/escrevendo  "CALDO CULTURAL PATRIARCALISTA/PATRIMONIALISTA" em seu lugar, todas as vezes em que observo essa obscena estilística existencial se manifestar (e como ela se manifesta ainda aos montes, bien sûr!...), seja em homens, Mulher, LGBTT*, ou Instituições.

É bom lembrar que os "machos" menos reflexivos e mais obedientes que ainda se submetem ao "conjunto da obra" em questão (se nos limitarmos a ver essa estilística neles), NÃO tratam como ‘'inferiores’' apenas a Mulher ou LGBTT*.
Faz parte "do pacote" estilístico-comportamental tratar como inferiores também outros "machos";  aí essa nossa conversa se ampliaria horrores; só o meu modesto livro passaria de 284 páginas para umas 2.840 (rsrsrsrs), e eu não roubaria o seu tempo de vida com esse desdobramento de exemplos num único texto...

Uma das piores características do Caldo Cultural Patriarcalista Patrimonialista é o que costumamos resumir por "caretice", ambiente cultural que infelizmente tem assombrado nosso espaço vital, como um (surpreendente?) regresso ao retrógrado.

Nessa "caretice", o SILÊNCIO é aplaudido, em detrimento da FALA; a FALA é desqualificada, e quase vaiada.
NO ENTANTO é a FALA que alivia, que gera pontes comunicativas e empáticas, que esclarece, que revela, que exercita a curiosidade, o diálogo e a diplomacia.

Nessa "caretice", a CIRCUNSPECÇÃO e a PERÍCIA são aplaudidas de pé, em detrimento da CRIATIVIDADE e do HUMOR, que são desqualificados e quase vaiados.
NO ENTANTO são a CRIATIVIDADE e o HUMOR que geram toda a COMIDA DO ESPÍRITO HUMANO (todos os pontos da Cultura, e seu 'filé-mignon', a Arte).

Talvez seja exatamente porque anda faltando essa "alimentação", que habitamos um Planeta que beira a esterilidade, inclusive a esterilidade Espiritual (o que não tem nada a ver com religiosidades), habitado por muitos ‘zumbis’ e ‘robôs’ neste momento em que o Humanismo parece mais uma vez ameaçado...

Talvez por isso muitos autores, como eu, têm estimulado uma urgente atenção maior às interioridades e à imaginação, pelo seu exercício reflexivo (leituras e psicoterapia, por exemplo) e ativo (convívio com a Arte, por exemplo).
Sonhar é preciso. Viver, não é preciso.


OBS 1 : Antes que pensem que quero que "mudem a palavra na marra", aviso que tenho horror a artificial e arrogantemente pretender "alterar" tanto palavras, quanto a História, como temos visto tanto por aí.
O que escrevi (revejam rapidamente) é que EU particular e singularmente, por motivos que minhas interioridades me gritam por dentro, NÃO USO MAIS essa nomenclatura; para mim, não serve para falar DAQUILO QUE DESEJO falar.
E - evidentemente - uso isso, como é do meu estilo, para PROVOCAR a reflexão.
Provocar a reflexão especialmente para as MASCULINIDADES, cujas QUESTÕES aparentam NÃO DESPERTAR O MESMO INTERESSE, AS MESMAS VERBAS para pesquisas e trabalhos que as questões da Mulher e LGBTT*!
Além dos motivos simbólicos suficientemente fortes desenhados no inconsciente da maioria pela força do enganador Senso Comum, talvez não tragam ainda o mesmo número de votos...
O prejuizo é para toooooodos; por enquanto é o que sinto, é no que acredito...

OBS 2 : Mas esse fenômeno aí, que muitos de vocês ainda chamam de 'machismo' (?!), não "favorece machos diante de fêmeas"! É uma coisa muito mais vasta, como muitos de vocês mesmos descrevem com frequência.
Minha questão é trazer a tona o debate das Masculinidades, reivindicando para ele - repito - o mesmo empenho (e verbas, etc) que o da Mulher e LGBTT* recebem.
Se a Mulher, o LGBTT*, e todo mundo, desejam DE FATO que estes comportamentos sofram alteração, é imprescindível que o debate sobre as Masculinidades estejam em pé de igualdade de importância com os demais debates.
POIS até agora NÃO ESTÃO... 

Permitir que o contingente masculino seja avaliado sistematicamente pelo ponto de vista do "erro" e/ou do "pathos" (o "machismo/macho que erra, o machismo/macho que é doente"), o que a nomenclatura da qual abdiquei só reforça, não leva coisa alguma muito adiante!... É avaliar negativamente, e o pior: parar por aí...

É como no tempo em que - por exemplo - tudo o que a Mulher fazia era fruto de "Histeria"... Essa nomenclatura eu também curiosamente não uso há anos...Rsrsrsrs...O quadro que ele identifica é (e sempre foi) identificado EM HOMENS E MULHERES.
Freud desenvolveu seu Pensamento e sua Psicanálise se reportando a si mesmo como "histérico", e sua pesquisa, num primeiro momento, abordava homens "histéricos" vindos da guerra; as clientes mulheres vieram depois!...
Só que HISTERia, por sua vez, reporta a ÚTERO.
Daí essa associação por anos e anos do Pensamento e da Ação da mulher à "histeria", o que só reforçava a idéia de que Mulher é uma coisa "ruim e doente"; uma avaliação pelo negativo/negação.

Talvez por ser mulher, mas goste do Contingente Masculino, não desejo para eles o mesmo atraso.


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