terça-feira, 30 de agosto de 2016



A melhor parte é ESSA: Masculinidades que estão FALANDO. Evito até comentar, para continuar a ampliar o espaço para as Masculinidades. Mulheres e LGBTT* já falaram bastante; urge que as Masculinidades FALEM (e SE REÚNAM!):
Texto de Anderson França (na foto)

"No dia do pagamento, meu pai me levava com ele na firma.
Isso aconteceu algumas vezes.
Lembro que eu passava o dia com ele, entre o balcão, onde ele vendia coisas, sentado no chão, brincando com fita adesiva, papel pardo, resto de embalagens.
Tinha a hora que o "patrão" chamava as pessoas na sala dele, pra dar o dinheiro.
Né mole não.
Em 1982, não tinha internet banking. Muita gente no Brasil, do Brasil do qual eu fazia parte, não tinha nem conta no banco.
Então, lá pelo fim do dia, um a um ia sendo chamado, e quando voltava, um pouco menos triste com a vida, com um envelopinho na mão, chamava o outro:
-O ôme tá chamando.
Era uma angústia.
Enquanto ele não começava a chamar, as pessoas ficavam: "O ôme liberou?"
Meu pai pegava o envelope, a gente saía pela rua, ele me comprava uma pipoca, e a noite em casa tinha cheiro de frango cozido. Algumas vezes, não muitas, jantamos juntos, minha mãe mais feliz, frango, batata, arroz, farinha.
E Bozo na TV.
Bozo xêrava pra caralho. Gravava xerado.
Mas ele só disse isso ano passado, então, ok, ele soube preservar minha ilusão com ele até a minha infância acabar de vez.
Pra você, que é fudido igual eu, sabe que não tem nada pior que esperar por um pagamento que não chega.
Diz aí.
Quantos de vocês dormem com o nó na orelha, um dia antes do pagamento.
Eu só acho o seguinte. Dexa eu pegar um cigarro.
Deixa eu te dar um exemplo.
Se meu aluguel venceu, quem me deve dinheiro, empresa de boa aparência, bem que poderia depositar a grana que me deve, de acordo com o contrato, sem um atraso descomunal.
E poderiam pelo menos não ficar chateados porque estou ligando na hora do almoço.
Mas às vezes eu acho que não sou eu que ando preocupado com minhas contas,
eles que andam almoçando demais.
Às vezes você liga, de 9 às 16h, e uscara tá almoçando.
Dava roteiro de Porta dos Fundos.
Vaga para almoçador.
-Bom dia.
-Bom dia.
-Tô vendo aqui que você fez Administração. Hmmm. Bilíngue.
-É. (rysos).
-Ótimo. Tem experiência em CAD 3D. Em DOS. Em Banco Imobiliário. Em Facebook.
-É que eu sou facebooker também nos fins de semana, com ênfase em racismo inverso e esquerda bundabranquista.
-Olhaaaa! Que ótimo! Sabe almoçar?
-Como?
-Almoçar, sabe almoçar? Comer. Rangar. Encher o rábo de comida.
-Sim, eu..acho que...eu sei.
-Fez onde?
-O almoço? Em casa mesmo.
-Não, bobo. (reezos). O curso.
-Ah. ... ESPM com ascendente em IBMEC e Mercúrio em Mackenzie.
-Ótimo. Que delícia. Consegue almoçar das 9 às 19h? Porque aqui é puxado hein??!!!!!!!!! (RISOS)
-HAHAHAHAHA (RISOS), CONSIGO. Pega no almoço às 9?
-É. Mas tem que chegar às 7, pro café. Café de 7 às 8:59, depois almoço de 9 às 19h. NÃO É MOLE NÃÃÃO essa firma!!!! Tá contratado!
-Tá! Vou só terminar de almoçar aqui rapidinho pra ir almoçar contigo.
RISOS
Pior que isso é todos nós sofrermos por causa do dinheiro que está na mão dos outros, ou ficar se cobrando pra ter um padrão de vida melhor.
Pode ser essa venda de espuma da Bel Pesce, Erico Rocha e dezenas de outros palestrantes, que são verdadeiros criadores de gente frustrada, que nunca vai conseguir atingir 347% de meta, mas vão se sentir culpadas por nunca serem como eles são.
E é mentira que o sistema te ajuda.
Dando aula na Universidade da Correria, eu preparo mais as pessoas pra lidarem com o fracasso, que com o sucesso.
Porque o que é o sucesso mesmo, né queridos?
Já fui duro, já ganhei dinheiro, e hoje tô devendo Santander Brasil, que me fudeu quando eu mais precisava, botou um gerente sete um na minha agência no Alemão, e vem com esse papo de "o que podemos fazer por você hoje?"
Simples.
Vejam quanto dinheiro botei aí nos últimos anos, e não sejam cretinos de botar gente me ligando a cada 10 minutos. Eu não atendo. Não vou pagar minhas dívidas atendendo telefone, mas trabalhando, e vocês sabem bem que eu trabalho.
E quando você precisa da grana e o Bradesco simplesmente fica com o sistema fora do ar, e você passa o dia com 12 reais na mão, precisando pagar porrada de gente, família no aperto, tudo mais,
dá uma sensação de que o dia se perdeu e você tá no caminho errado.
Ontem,
na Barra da Tijuca, área nobre,
um homem esfaqueou a mulher quando ela dormia,
jogou os dois filhos pequenos do alto do prédio,
e se jogou também.
Ontem, no TRT da Barra Funda, São Paulo,
um homem se jogou do alto do prédio abraçado a filha de 3 anos.
Tem pouco mais de um mês,
um empresário de uma cidade paulista se enforcou no galpão da empresa.
No caso da Barra da Tijuca,
o homem escreveu uma carta.
Disse que não ia conseguir manter o padrão de vida da família.
Que não tinha conseguido pagar um plano de saúde melhor.
Que ia ficar queimado no mercado. Porque não estava mais satisfeito com a empresa, e sentia que estava sendo colocado de lado.
Seja empreendendo, seja como assalariado,
sua vida vale mais que o dinheiro que você deve.
Podem te chamar de caloteiro. De derrotado. Fodace.
A sua vida vale mais que o sorriso do presidente do Santander, na Espanha.
Mas é ainda mais que isso.
Percebam que eu tô falando de homens, e quero falar com eles.
Esses homens foram vítimas de si mesmos.
MAS TAMBÉM vítimas da máquina patriarcal, machista e opressora, que nós, homens, criamos para nos destruir.
Quem tem a pica maior.
Quem fode mais.
Quem bebe mais.
Quem tem o melhor carro.
O melhor emprego.
Casa.
Salário.
O homem precisa ser o provedor, mesmo tendo companheiras que vão ser compreensivas se a gente sentar no sofá um dia e simplesmente chorar com elas.
Do tipo: não deu.
Tô assumindo. Quero a minha família me apoiando.
Caras.
Precisamos chorar. Se matar não é o caminho.
Hoje foi um dia de merda para este que vos escreve.
Mas fiquei em casa, com os meus.
Perco tudo, menos a compreensão de quem está do meu lado.
Mas eu choro, caras. Eu reconheço minha fragilidade.
Não sou Bolsonaro, que vendo o filho morrendo, manda ele pagar flexão.
Caras,
a obrigação de sermos homens está nos matando.
Precisamos falar sobre isso.
Porque meu pai, depois de tantos anos pegando envelope,
um dia,
não aguentou a pressão,
e sumiu.
Precisamos falar sobre isso.
(Dedico esse pensamento ao Eduardo Henrique Souza Baptista. O Dudu. Pai, amigo, filho da Mãe Silvia. Ele é um cara que sabe. Te amo, Dudu.)"

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