domingo, 29 de junho de 2008

MEMÓRIAS E REFLEXÕES ENGRAÇADAS SOBRE ...

...O QUE ME LEVOU A TRABALHAR ESPECIALMENTE COM IDENTIDADE MASCULINA:

Desde Monteiro Lobato tinha a mais absoluta certeza que a Deusa Ártemis, “em pessoa”, me protegia.

DO QUÊ, não tinha muita noção NAQUELA ÉPOCA, inclusive porque nos contos de Fadas eu tinha (já) grande simpatia pelas bruxas, e achava cinderelas meninas muito mimadas, coisa que eu não era, nem em casa, nem no colégio (de freiras!).

No Rádio, achava Marlene o máximo, mas foi com Hebe, na TV dos anos 50, que me dei conta que o simples fato de nascer mulher ou homem trazia grandes minhocas à cabeça, pois criar um programa que dizia que “O mundo é das mulheres” parecia ter – NA ÉPOCA - grande relevância; concordei, e me mantive refletindo sobre isso.

Muitos outros livros além-Lobato me levaram ao deleite, à loucura-da-boa; evidentemente falavam de mulheres e de homens... Uns "passam batido" por essa "obviedade"; eu não consegui...

Entre as mulherzinhas de Louise May Alcott que me fascinavam, jamais decidia se preferia me identificar com a coquete, a estudiosa, a maternal, ou com a dona-de-casa perfeita; todas pareciam “roupas” literalmente “justas”. Escolhi com relutância Jo, a estudiosa-escritora, e só quem também leu, ou viu os filmes que reproduziam esses livros, vai entender isso...

Demorou um pouco mais para conhecer Doris Day e Marilyn no cinema; estava mais velha, e lia – já - Simone de Beuvoir; aí tudo ficou ainda mais confuso, e “decidi que não me decidiria por modelo algum”: continuaria adorando todas elas, as livrescas, as cinematográficas, mas ainda por cima teria filhos, pois tinha certeza que, "no fundinho", elas também teriam a-ma-do tê-los.

No momento em que casei comigo mesma, e fui morar sozinha, aos dezoito anos, (comecei a trabalhar aos 14) isso ainda era tão exótico, que ninguém - familiar ou amigo - se lembrou de me dar um “chá de panelas”; ótimo! A primeira compra para a casa foram estantes, afinal! Panelas, só para sopas de letrinhas... Entendi ali que muita gente, NAQUELA ÉPOCA me achava esquisita. Segui, uái... Que jeito?...

Levei “foras” horrorosos de muitos rapazes por quem eu era apaixonadíssima. Para se casar com mulher sem bens e estudiosa (que mal fritava um ovo), NA ÉPOCA, nenhum deles teve peito, pois essa foi a educação que eles receberam.

Criar filhos (imagine se eu ia ficar sem eles só por opção masculina, rituais e burocracias!), trabalhando por gosto e sobrevivência, foi um suadouro; triunfante, mas suadíssimo...

Por sorte, os pais dos meus dois meninos foram muito legais dentro da possibilidade subjetivo-objetiva deles, e não tive órfãos-de-pai-vivo em casa, o que já estava de bom tamanho; e tome “olhares tortos” dos mais conservadores DA ÉPOCA ao redor!...

Por mera orientação espontaneamente implantada, da ordem do inconsciente (ou ”dupla caipira Minha Alma-Meu Corpinho”), jamais me aventurei nos braços de alguma amiga que preferisse as mulheres; aí, tome MAIS “olhares tortos”: desta vez, dos mais moderninhos DA ÉPOCA!...

“Defeitos” DE ÉPOCA prejudicaram homens e mulheres, em quaisquer épocas.

Participação em Movimentos feministas? Muita!

Lamentavelmente os Partidos Políticos os atropelaram/engoliram; a evolução que (inevitavelmente) tiveram, apesar do atropelo, acompanhei já de longe, apoiando-os antes em minhas iniciativas profissionais, que em “fóruns”.

Os “foras” horrorosos das desilusões amorosas com os rapazes não se esgotaram jamais. Mas...nada a reclamar do "enquanto-dure", e das melhores recordações (que sempre ficam).

O trabalho prioritariamente autônomo não me deixou sentir a frustração de "não progredir profissional-financeiramente por ter nascido mulher", mas vi inúmeras amigas serem assim injustiçadas, e algumas aterrorizadas por diferentes formas de assédio em seus ambientes de trabalho.

Tive, lamentavelmente, conhecidas violentadas, algumas no cárcere político.

Tive sorte; a única violência da qual minha feminilidade não conseguiu escapar, foi a passageira desqualificação dos sintomas de minha menopausa, pelo contingente masculino ao redor; os rapazes ATÉ HOJE não são preparados para isso; muitos achavam que era "bobagem", como muitos ainda acham que TPM é só "desculpa-sei-lá-prá-quê"; ELES MESMOS ainda ACHAM "BOBAGEM" FREQÜENTAR SEUS PRÓPRIOS MÉDICOS, não é mesmo?...

Outros episódios de violência, só os referentes aos direitos humanos em geral. Isso nos baliza, infelizmente: mulheres e homens.

Nada disso, no amadurecimento, me levou a direcionar minhas questões pessoais e teóricas para a preocupação: "MULHERES SOFREM ABUSOS DOS HOMENS"; qual vítimas.

Mulheres FALAM; assim, ALI, a questão não me parecia "um mistério" inexpugnável: "A verdade (o verbo, a fala) liberta".

De seqüela HISTÓRICA ninguém está livre, afinal. ÉPOCAS vão passando: seguem, uái...

Tive um pai edipianamente “do-bem”, e os livros, a cultura, rádio-TV-cinema-capacitação para o senso crítico, tudo "desse pacote" foi presente dele.

Como costuma acontecer, minha mãe me apresentou à Natureza: mar, mato, lagoa, montanha, plantinhas, flores, bichos...

Já meu querido irmão era tão igual e tão diferente de mim! Esse foi o melhor presente que ele me deu: a clareza da riqueza da diferença.

Meus amores não me amaram tanto quanto eu esperava (e por acaso eles tinham a obrigação de se apaixonar por mim?), mas 90% deles é de “amigos-até-hoje”, o que tem sido muito bom. AMIGO é o máximo; às vezes, "irmão-de-outro-jeito".

Meus filhos já são homens de uma nova safra, e as meninas que se relacionam com eles (também já dotadas de novas informações, e herdeiras de muita transformação) parecem bastante satisfeitas; essa esperta geração aprendeu rápido, e com menos dores, que ficar amigo é um “grande lance”.

Enquanto muitas amigas carregam suas vidas qual um fardo pesado e fedorento, parecendo cair, rancorosas, no equívoco do lamento, eventualmente disfarçado por ataques ao universo masculino que - supostamente – deveriam parecer “engraçados”, escolhi TRABALHAR (como boa "filha" da curadora Deusa irmã-por-excelência Ártemis, e "prima" da Deusa babá de heróis Athena) SOBRE, e COM, OS HOMENS.

O SILÊNCIO DELES sobre eles mesmos, sim: ESSE MISTÉRIO ME "DESAFIAVA".

Lembro que – em primeiro lugar – planetariamente são meus “irmãos” (como o Deus Apolo o era de Ártemis).

Não tenho coisa alguma para “ensinar” a eles sobre suas MASCULINIDADES. PERGUNTAR, sim: não é invasivo, abusivo, pretencioso, ou autoritário; e PERGUNTAR pode ser uma ATIVIDADE PROFISSIONALMENTE PLAUSÍVEL!

Exijo (não peço, não rogo, não imploro, não rastejo), no mundo público, solitária ou coletivamente, o que julgo justo no que diga respeito às mulheres, mesmo que sejam questões que não estejam pessoalmente me tocando: Mulher é Ator Social, e faço parte desse coletivo.

Mas se a questão toca a espécie humana, já é sintonia suficiente a me mover.

Logo, brigaria, aí TAMBÉM, por providências quanto os ABUSOS AOS HOMENS, que também existem, inclusive prioritariamente de homens para outros homens.

Na esfera íntima, tímida e assanhada na mesma medida, acolho e cubro de beijos; quer ficar, fica; não quer, vou estudar e trabalhar, vou ouvir boa música e ler boa poesia; vou conversar com os amigos, de etnia, classe social e gênero os mais diversos (sempre rica, sempre abençoada diferença); vou conversar com a Natureza, essa excelente conselheira, como minha mãe sabiamente me ensinou.

"Cobro", fraternalmente, dos homens, sempre que posso, profissionalmente ou não, que reflitam sobre eles mesmos, e, se possível, se organizem para fazer isso com autonomia. Lembro a eles os horrores que eles mesmos têm imposto para si , autofagicamente.

Mulheres sofrem abusos? Claro que sim! AINDA? Alôôu! : a humanidade é lenta!

Mas, se este abuso (como um fenômeno humano) “está posto”, mão à obra!

Vamos voltar a tomar providências, e agora com maior autonomia, sem permitir que os interesses partidário-mercadológicos suguem vampirescamente essas questões, que são tão vastas.

Abusos que AINDA fazem parte, simultaneamente, do mundo íntimo (nossa casa, nossa cama) E do mundo público (nossa família, nosso trabalho, nossa cidade, nosso país, nosso planeta, etc.).

Vamos cobrar dos homens uma reflexão sobre “sua raiz” (O QUE É SER UM HOMEM para os homens?), e vamos retomar a posse da nossa.

Mulheres não têm mais nada prá se questionar?... Talvez meio solitariamente, não abro mão desse exercício .

A quantas anda a (re)definição de nossa feminidade?

Até onde as cobranças que temos despejado sobre os homens continuam pertinentes, e onde começam a se equivocar?

Quando eles tentam(aqui e acolá) novas iniciativas (no ambiente doméstico ou junto aos filhos, por exemplo), nós permitimos que eles o “treinem” experimentando o ensaio e o erro? Ou "partimos do princípio que o jeito certo de fazer aquilo é o nosso", e criticamos logo, ou mesmo ignoramos sumariamente suas propostas?

Quantas mães permitem ou incentivam que seus filhos homens brinquem de boneca, e aprendam uma das parcelas da paternidade? "Já" estamos no século 21, e isso ainda é raríssimo! Como esperamos que os homens compreendam o valor disso? Mães "invasoras" são um par perfeito para silenciosos pais-homens "omissos"...

Os homens são tão "promíscuos" assim, ou nós é que reprimimos uma boa parte de nossa própria possibilidade de experimentar relacionamentos múltiplos (escolhas melhores podem ou não vir de melhor experimentação?) ?

O que esperamos dos homens é REALMENTE um comportamento mais respeitoso e menos abusivo, ou tememos a diferença da masculinidade e (por isso) queremos, esperamos, que eles se comportem com uma feminidade que só é dada às mulheres? (Se quisermos ISSO, corramos - então o risco de esperar sentadas, ou de nos contentarmos com a companhia de nossos amigos gays, mantendo o discutível papel de "vilão" para o homem heterossexual...).

Estamos crescendo profissional e financeiramente; é o que basta?

Algumas de nós têm (ou não têm?) imitado a volúpia de poder (e de ter) que tanto tempo criticamos no contingente masculino?

Nosso humor? Está mais apurado? Sabemos fazer piadas?

Temos ouvido música de qualidade?

Quando nos deparamos com um texto que parece difícil temos curiosidade e paciência de ir pesquisar porque ele foi escrito?

Temos "treinado" nossa capacidade estética visual em museus e exposições (são geralmente gratuitos, qualquer uma pode ir!) ?

Lembremos: jogamos nossa suposta "superior sensibilidade" na cara do mundo por anos...

Posso estar enganada, mas se fosse assim, a Mulher (coletivo-ator social), teria há muito tempo "comprado a briga" (por exemplo) contra o baixíssimo/vergonhoso nível do que é "vendido e comprado" pela vulgarérrima e deseducadora Indústria Cultural que nos rodeia!...

A competição feminina (acompanhada sempre de perto por uma ferina maledicência de mulheres sobre outras mulheres) diminuiu, após as discussões ditas feministas?

O Homem tem volúpia por coisas sempre novas (“...cupiditas rerum novarum...”),dizem algumas mulheres, quase rosnando.

E daí?

Algumas mulheres também andam explorando essa possibilidade nos últimos anos; a Mulher passou séculos reclamando disso, e acabou descobrindo que isso pode ter sua hora, seu tempo e seu valor.

Como diz a ópera, “..´.La dona é móbile´, como uma pluma ao vento...”.

Porque - se tem tamanha (e inegável) capacidade de mudar e se transformar – algumas mulheres estão
demorando tanto a mudar ainda mais, abandonando o equívoco do lamento, descobrindo novas frentes de questionamento próprio, e DEMONSTRANDO acreditar que o homem também mudará, mesmo que não o faça na velocidade em que elas tentam “agendar” para ele todos os dias?...


Ilustração: Giogio De Chirico - The Duo - 1914/1915

Um comentário:

João Manuel Mota disse...

Christina... há tempos tenho a intensão de ler texto por texto de seu blog... antes lia uma coisa aqui e ali, sempre achando muito pertinente. Hoje comecei, e to adorando! Muito Obrigado!
Bjos